domingo, 27 de dezembro de 2009

O vento na nuca lhe aliviava o cansaço, o ardor na pele, a fraqueza dos ossos. O vento declarava a passagem das estações e com elas o tempo ia. O vento parou e um moço se acomodou ao seu lado, parecendo pluma, parecendo pedra.
O silêncio logo se firmou, não havia folha, cascalho ou areia em movimento. O silêncio era quebrado, apenas, pela respiração. O silêncio que tanto incomodava logo consagrou a cumplicidade, agora eram cúmplices do desconhecido, cúmplices que nem sabiam se olhar.
O tempo passava e nenhum gesto era feito. O tempo escorria enquanto os olhos tinham medo de enxergar. O tempo parava, corria, dançava, fazia de um tudo enquanto os corpos continuavam estáticos, em sincronia de não-movimento.
A eternidade se firmou em alguns minutos. A eternidade é falha, é gasto, é dissipação. A eternidade é um golpe, ilusão.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

busco no coração
um frio que não conheço
soltar minha mão da tua
sair desde compasso egoísta

os passos tropeçados
meus joelhos esfolados
acompanham teu silêncio
sem alcançar teus olhos.

me destes um espaço sombrio
trancado no quarto da tristeza
reservado às noites de melancolia
sem direito ao que é feliz

nesse quarto que nunca entraste
falas pela fresta da porta
para que eu sinta sua respiração
mas não te enxergue vivo

me fizeste teu prisioneiro
fazendo me sentir invasor
com meus olhos um pouco cegos
de um certo resto de amor

já não tens mais forças
para essa porta fechada que pesa
mais do que podem segurar
teus braços agora cansados

saio em silêncio
pela fresta das suas palavras de perdão.
mas ainda não percebestes
que o quarto agora está vazio.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Renata

Renata me disse que iria viajar, mas a encontro em todos os lugares, até nos cochilos pós-almoço. Encontro-a na sala de estar, no banheiro, no quintal regando os cactos, na cozinha preparando o café. Renata me disse que ficaria longe de mim, que correria, que nunca mais iria me ver, mas a vejo em todo amanhecer e entardecer, a vejo deitada no meu quarto enquanto leio folhetins.
Ela, que tanta coisa me disse, agora tudo descumpre. E me odiava, me repudiava, sentia ânsia de minha pele, e me amava, me ama devotamente, porque se não amasse eu não poderia amá-la como amo, Renata.
Toda distância, todo concreto, toda palavra, todo gesto, nos aproxima, nos empurra, nos move em função unicamente de nós mesmos. Mas hoje, Renata, o tempo é muito, o peito é pouco. Hoje, Renata, o frio me abraçou enquanto você estava longe da cama, acreditei que você tivesse de fato viajado, acreditei em Deus, em paz, em Terra. Parece que hoje tudo desmorona sem você, sem sustento, assim como qualquer construção desaba sem suporte. Do sólido olhar sobraram vultos, que na verdade não sei se são seus, se são restos de outras pessoas, ou se são as sombras dos lençóis.
Renata me disse muita coisa, e agora tudo se confunde em frases ditas e conclusões precipitadas, a verdade costuma me enganar, sorrateiramente ela me cega para que eu não saiba distinguir o que acontece do que eu penso, me protejo. Meus sonhos acabam se solidificando em fatos, e os fatos escorrem e se escondem em poças.
Agora não sei se Renata é apenas um epitáfio sem criatividade ou a moça que dorme na minha cama. Renata deveria me dar um banho de café fervendo. Renata deveria me acordar.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Olha aqui...

Seus olhos preferem minhas mentiras
E eles acostumaram-se a ser doentios para mim
Péssima idéia para prender-me em qualquer compaixão
Eu não tenho mais tempo para mentir
Ou paciência para embrulhar meus olhos em lágrimas

Eles estão queimando novamente.
Um brilho intenso que não consigo disfarçar
Essa luz incomoda seus olhos cansados, eu sei
Mas, eu não vou chorar por você
Apenas para torná-la mais suave
Só iria iludir seus olhos, acredite!
E eu nem estarei mais aqui
quando eles voltarem a abrir

-Achei que você já tinha se livrado de tudo...
- Não, eu guardei este bilhete, porque achei que estivesse incompleto.
- Como assim? Para mim parece...
-A segunda parte eu escrevi hoje pela manhã
- Então você...
-Precisava encontrar outros olhos para terminar a carta.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Hoje eu não quero dormir


As horas dizem que o dia já terminou, mas eu ainda não fechei os olhos. Quero prolongar e sentir cada minuto do dia, mesmo já sendo amanhã. Quando dormir, hoje será meu sonho.

E vai ser difícil acordar amanhã sonhando hoje.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

sobre idéias idiotas


- Nada. Esqueça.
- Hum... por um momento achei que você faria alguma coisa diferente de perguntar e traria alguma resposta. Esperei demais, não é?
- É... esperou... esquece! Foi uma idéia idiota.
- Ora, não fique assim emburrada. Todos temos idéias idiotas. Fiquei preso em uma durante meses! Pelo menos você libertou-se em menos de cinco minutos.
- E fiquei presa em tão pouco tempo...
- Essa caminhada não está fazendo bem para você. Veja, não está mais falando coisa com coisa e ainda está atrapalhando minha cabeça. Já tem sua história. Tudo acabou naquela casa e agora eu preciso de paz. Não consigo descansar enquanto estou preocupado com você.
- A casa não foi um fim...
- Acha que ela ainda volta?
- Não. Você parece decidido.
- Ótimo. Este é um bom fim. Acrescente mais algumas idéias para deixar a história mais... bonita. E pronto.
- Acrescentar algumas de minhas idéias idiotas?
- Oh! Pare com isso. E idéias idiotas podem ser bem interessantes ou divertidas. Vamos, fale-me sobre suas idéias.
- Penso em um novo começo, talvez.
-Um novo começo? Agora? Realmente é uma idéia bem idiota!
- É... eu sei... foi uma idéia idiota que deveria ter permanecido comigo apenas.
- Mas...
- ... ?
- Não deixa de ser tentadora também...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Penso tanto tempo que... tentei




Pensei que poderia continuar
Nada demais, talvez apenas seguir
Pensava que era só querer falar
Mas, eu não conseguia sorrir

Penso, penso, penso, penso
Caminho para o que acho que vejo
Ilusões combinam com seu senso
Apenas criação de um falso desejo

...

- Entendo, entendo... você precisa descansar um pouco agora.
- Não vamos chegar nunca se continuarmos assim.
- Se eu deixar você seguir desse jeito...
- O que faz aqui ainda? Já não tem uma boa história?
- Não sei o que fazer sozinha com isso.
- Bom... eu não quero mais essa história.
- Não sei o que fazer sozinha...
- E eu não sei o que fazer com você...

...

- Eu tenho uma idéia...
- Hã?


quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Fim

PM 06:45

- Você vai ficar aí apenas...
- Olhando. Sim.
- Eu não me sinto confortável!
- Foi o combinado, não?
- Sim, foi... mas... não era bem o que eu queria! Você sabe que...
- Não, eu não sei. Nunca soube e não...
- O quê? Você quer me ver gritar que eu...
- E não vai adiantar nada agora.
- Por quê? Como você não consegue perceber que estou completamente...
- Perdendo seu tempo. Tenho apenas mais cinco minutos.
- Vai embora, então! Deixe-me em paz, pelo menos!
- Eu já fui. Você chamou novamente. Combinamos tudo. E agora temos mais três minutos.
- Vai logo! Não precisa ficar! Vai!
- Calma.. logo, logo... eu ainda não acabei.
- O que está fazendo?
- Olhando. Lembrando... saindo...
- Não entendo. Estou aqui! Eu amo você! Por que não acredita em mim? O que eu tenho que fazer para...
- Você já fez.
- Hã?
- Tenho que ir... fica bem... não faz besteira!
- Espera! Você não pode sair sem me dizer se...
- Acabou.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

sem nome


embrulhei aqui o meu amor (e o teu)
nossa história
até hoje e daqui pra frente

se um dia não me amares mais
podes abrir este embrulho
e soltar ao vento
tudo o que contém

mas enquanto o amor durar
mantenha-o seguro, protegido
a salvo.

sábado, 28 de novembro de 2009

infância (parte 1)

_Não, não pode ser assim... Mas é exatamente assim, como pode? Tem suas explicações lógicas... O tempo, o tempo... O tempo está me roubando a vida, parece que quanto mais eu acelero menos tempo me resta. Lembro que quando menino encontrei um pote amarelado de talco que dizia "válido até novembro de 1997" e fiquei pensando o quão antigo deveria ser, já que para mim as datas de validades eram fantasias, uma maneira de cumprir regras, inalcansáveis, e aquele talco havia passado do prazo de validade por descaso, desleixo. Lembro, também, de ter encontrado uma caxinha branca e azul de remédio, vazia, e que dizia "válido até 2005" e pensei "2005, um remédio nunca vai chegar em 2005, daqui a sete anos, oh Deus... sete anos..." O tempo passou e quantos remédios em 2005 passaram da validade? Quantos e quantos talcos se perderam por descaso? Era bom o tempo em que o tempo era eterno, que o amanhã demorava de chegar, o tempo em que ir à escola era viajar pelo mundo, mundo grande, imenso, eterno. Agora tenho que trabalhar, pagar contas, contas, contas, e nada me sobra: raras festas, raros momentos felizes, momentos estes que duram milésimos de segundos, momentos rápidos o suficiente para não ter tempo de expressar em um sorriso a fulgás alegria. Bom mesmo é ser criança, dormir no colo da mãe quando se tem medo, se esconder dentro do armário como se nada no mundo pudesse atravessar aquela fina camada de madeira envernizada...

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Muito amor

Enquanto andávamos ele não parou de cantar uma música estranha. A letra parecia dizer algo da despedida, mas o ritmo e a sua interpretação eram tão alegres que eu fiquei confusa.

No início fiquei com vergonha de perguntar, depois, estava procurando loucamente por um momento para inserir a minha curiosidade. Não lembrei de mais nada disso. Já estava cantando com aquele garoto a sua música.

kiss him, kiss him!
I can't sweep here
kiss him, kiss him!
oh... dirty lips

just two minutes to see
her eyes eating my dream
his mouth leading the quest
I have followed the queen
When I was reading my chest

Kiss him, kiss him!
cruel despair
you can't hide me
it's not fair

and pieces of parts of nothing
I swear, I really don't care
when they persist drawing about something
I'm busy with a tender nightmare

- Gostou da música, hein?
- Sim... não entendo muito bem. É sobre a traição? A mágoa, a tristeza que você guardou dela?
- (Risos) Guardo este momento como um dos mais divertidos!
- Divertido? Mas... você fala em injustiça, pesadelo, em traição! Você pede por isso! Eu não entendo você!
- São as palavras dela misturadas com as minhas. A farsa dela combinada com a minha. Mas dessa vez eu não tinha nada melhor do que a ironia para combinar com doença.
- Que amor...
- Muito amor, muito!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Despedida

Encontrei outro bilhete, hoje pela manhã. Parecia uma despedida, mas não uma outra nova despedida. Uma última despedida romântica e só, pelo menos até a última frase: "esta é sua parte, divirta-se!"

Foi bem posicionado o bilhete, não tinha como não ser visto naquele quarto vazio. Na sala, o garoto já estava esperando-me para poder fechar toda a casa novamente. Eu estava curiosa e perguntei sobre o bilhete.

- Você não mudou o lugar dele, certo? - perguntou-me desconfiado.
- Não! Foi você que...
- Sim, eu escrevi e deixei o bilhete ali para ser facilmente achado. Emocionante, não?
- Humm... é meio... que...
- O que você realmente achou? Pode dizer!
- Vazio. Vazio como esta casa. É uma despedida, eu sei, você deixou isso para alguém, mas, onde está a outra parte? Só este bilhete é tão... vazio...
- A outra parte da despedida já foi escrita há muito mais tempo e eu tentei oferecê-la várias vezes. Não tem nada desse clima, sem dramas. Isso tudo é teatro. Essa casa, o bilhete e até eu mesmo sou uma farsa.
- Não enten...
- Um bom vazio embalado de perda será sua despedida. É como um jogo para ela distrair-se com a depressão em sua mente doentia enquanto vai libertando-se aos poucos de todas as minhas palavras pesadas de sentidos inúteis.
- Mas isso... isso é...
- Trabalhoso. Realmente...
- Monstruoso! É...
- Encantador o seu comentário. Enfim, temos que ir agora.
- Espera! Você está louco? Não entende que...
- Entender foi o que me deixou preso nessa tortura um bom tempo.Venha! Está quase na hora dela abrir o presente! Precisamos ir!
- Por quê? Por que você...
- Eu não quero mais jogar. Vem!

domingo, 22 de novembro de 2009

mensagem para você

AM 11:32 - Hj vai ser bem complicado. Trabalhos e um aniversário surpresa apareceu aqui.

AM 11:50 - Aqui tbm tá complicado. Problemas, problemas e pessoas loucas. A faculdade...

PM 01:30 - Nem vou ter tempo de almoçar. Um suco, sim, um lanche talvez. Espero q esteja tudo bem com vc.

PM 01:40 - Não deixe de comer algo! Não quero que você suma mais! Que acha de resolver aparecer? Seria legal.

PM 01:45 - Sim, sim vamos marcar algo! Estou meio cansada hj e a tarde só começando.

PM 01:55 - Tô tentando fazer um trabalho, não sai nada. minha cabeça pifou.sabe, vazio, vazio?

PM 02:01 - Diagramação? Vi aquele que vc mandou e gostei. Tenta relaxar, vc trabalha demais.

PM 02:30 - Sim!Parece que saiu algo. Mais sombrio, mas tem que ser. Trabalhar está difícil. Relaxar como?

PM 03:00 - Sombrio é bom tbm. Estou recortando várias coisas, é calmo. Queria um sorvete de morango.

PM 03:37 - Um bom sorvete de morango. Juntei as cores e curvas que não usei, fiquei com pena.

PM 04:01 - Sorvete no domingo, vamos? Manda pra mim depois?

PM 04:18 - Mando sim. Tô olhando para o encarte. É a coisa mais linda do mundo!

PM 04:20 - Não! Pára! Existem coisas muito mais bonitas... Vou ter que ir agora para lá.

PM 04: 23 - Me avisa se ficar lá mais tarde? Podemos tentar o sorvete, ou um suco!

PM 05:16 - Sim, sim. eu te ligo.

PM 06:24 - Consegui terminar o trabalho! Você faz falta...

PM 11:49 - Acabou ficando tarde. Muitas coisas. Você é um cara bacana.


sábado, 14 de novembro de 2009

ligações (parte 3)


O telefone vermelho voltou a tocar meses depois, mal sabia-se que era a última vez:

_alô?
_Iolanda?
_sim, quem fala?
_não reconhece mais minha voz?
_a voz reconheço, me lembra um rosto, mas não sei quem é a dona desse rosto.
_Iolanda... acabei o casamento.
_fico feliz por você, e por ele também.
_Iolanda... eu quero te ver.
_me ver? para que você quer me ver?
_porque eu estou com saudade, terminei o casamento por você.
_eu não te pedi isso, eu nunca te pedi para terminar o casamento. não foi por mim que você acabou o casamento, você sabe disso.
_eu quero te ver.
_mas eu não posso.
_você está com outra pessoa?
_desculpa... eu não quero.
_você não me ama mais?
_não sei, mas eu não quero. posso até amar, mas não fico mais ofegante esperando uma ligação sua.

Iolanda bateu o telefone, arrancou-o da tomada e o jogou pela janela com um bilhete "Eis aqui toda a minha cor, antiga. Eis aqui o que fui por meses. Eis aqui o que não posso mais ser". O telefone caiu aos pedaços na calçada e Iolanda saiu, de roxo, ao encontro de uma nova paixão. O amor sempre fora calmo demais para ela, bela Iolanda.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

hipnotizado

sua beleza é quase um insulto
como você consegue simplesmente brilhar?
tão pequena e incrivelmente adorável!
seu sorriso deixou-me atordoado
e eu caí em seu abraço macio

lá eu fiquei seguro durante uma eternidade
que desfez-se rapidamente com seu beijo
eu já estava perdido novamente
e só voltei quando não senti mais seus lábios
consegui reagir com um beijo corrido e nervoso
e tive que deixá-la ir

mas eu continuava hipnotizado
e vai ser bem difícil quebrar esse encanto

post do Baú.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

dream draft

Your songs are points
of happiness in my life.
They had molded a true love
that flowered into a dream.
And today you became it true

- Can I give you a hug... and a kiss?
- Oh... sure!

And I'm the happiest person in this world!

november 8th, 2009
Don't-know-who saw me!

domingo, 8 de novembro de 2009

Sonho da Menina-do-sol

-Você sabe sapatear?
-Sempre quis aprender.

Logo ele se apaixonou, ela sabia responder, sabia sim, ela sabia o que responder, parecia que tinha calculado cada letra, teria ela uma fórmula para boas-respostas? Ele ficou confuso e respondeu para si mesmo que não, não havia fórmula. Via que a pele dela transpirava frescor, assim como suas palavras. Seria impossível ela ter planejado algo.

-Então se apoie aqui.

Ela se apoiou no ombro dele e segurou sua mão, uma daquelas posições impossíveis de se imaginar quando se descreve, e começaram a dar "saltinhos", acompanhados de tombos e quedas. O vestido da moça-dos-olhos-de-céu, que estava em perfeita sintonia-de-cor com os brincos de pérola, ficava cada vez mais sujo, mais e mais sujo.

-Você está me sujando toda! Riu ela em tom de exclamação.
-Estou lhe ensinando a sapatear, senhorita. Respondeu ele rapidamente, para não dar tempo de qualquer outra reclamação.

Seguiram bailando, sapateando, caindo, entre piruetas e pulos e tombos. Depois de ter perdido a formalidade de um vestido perolado bem cintado a senhorita dos cabelos-de-sol começou a tropeçar na própria risada, um riso leve e azul, como o céu, como seus olhos, que a deixava desnorteada.

-Sobe aqui, vamos! Você precisa aprender a sapatear com equilíbrio!
-Não, não vou arriscar cair na fonte. Olha como estou, meu vestido!
-Não vai cair na fonte, se bem que a água da fonte está mais limpa do que o seu vestido. Confessou o rapaz sorrindo com os olhos. Sobe, senhorita!
-Hum. Não vou não. Respondeu a senhorita franzindo a testa.

O rapaz ficou calado olhando para os olhos dela, concentrando naquele mundo azul. A senhorita fez uma careta engraçada e pulou, se equilibrou, e começou a sapatear na borda da fonte. Parecia que sempre soubera sapatear, a adrenalina queimando em suas veias e uma bela dança surgia, até que por engano as pernas se embaraçam e pluft!

-Eu disse que ia cair! Eu disse! Ela gritava entre gargalhadas e olhos semi-cerrados.
-Tudo bem, estou chegando. E logo ele pulou segurando o nariz.

Ficaram dançando na fonte, com toda a elegância molhada e os sorrisos intactos.

-Não podem ficar ai! Gritou um homem fardado.

Continuaram dançando, não ouviam nada.

-Prrrrrr! Saiam já da fonte!
-Está falando conosco? Respondeu o moço com os olhos ainda fechados.
-Tem mais algum casal de loucos nessa fonte?
-Mas Sr. Policial, só estamos...
-Não quero conversa, estou aqui para cumprir ordens, conversem o que tiverem que conversar com o delegado.
-Mas Sr. só estamos... O que é isso?
-Está tentando me enganar mocinha?
-Não, tem algo branco saindo de seu bolso!
-O nome disso é lenço. Saiam daí, não quero me molhar também!
-Não, eu sei o que é um lenço. Disse a moça fazendo um bico. Isso é...
-Uma flor! Uma flor? É, uma flor. Mas... uma flor? Uma flor... O moço ficou se indagando e respondendo, como em um monólogo eterno.
-O que? Uma flor? O policial continuou a indagação olhando para seu bolso, mas sem confirmações.
-É, uma flor. Disse a moça. Uma flor que tem o talo vermelho. Vermelho? Como...
-Não é o talo, é uma veia! Disse o rapaz em êxtase.
-Meu Deus! A flor não está saindo do meu bolso, está saindo do meu coração. E vocês dois, não se atrevam a fugir.

Quando o policial foi pegar as algemas, viu que tinham desaparecido, e no seu lugar havia apenas um livro de poesia, compacto e infinito. O rapaz e a moça saíram da fonte e suas roupas agora estavam limpas, contudo encharcadas, saíram dançando, agora banhados pelo restinho de sol que aquecia levemente seus trajes e suas peles. Não sabiam nomes, assim como não sabiam onde estavam, sabiam que havia uma flor, água, céu e muito espaço para continuar sapateando, dançando na chuva que estava prestes a cair.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ligações (parte 2)


Dias depois, exatamente quatro, o velho telefone vermelho fazia dois barulhos que se mesclavam: o som que o próprio foi feito para alertar uma chamada e o som de um aparelho velho que se bate todo por falta de ajuste ou por sobra de tempo. as taças e garrafas, vazias, começavam a ficar ameaçadas pelo telefone cor-de-sangue, até que a moça com a maquiagem gasta resolve dar atenção ao único objeto-de-cor da casa, atende em silêncio:

_alô.
_hum.
_Iolanda?
_fala logo, você tem pouco tempo.
_não faz assim, não...
_hum...
_para que tanta festa? tanto drama? só por um atraso? não é possível. você tem outra pessoa? o que está acontecendo? você está usando um atraso bobo como desculpa para qualquer outra coisa.
_era só isso que tinha a dizer?
_só isso? só isso? eu amo.

Iolanda puxou o fio do telefone, arrancando-o da tomada, mas permaneceu com o aparelho colado ao rosto, como se fizesse parte dela. não tinha muita consciência, uma face sem expressão, e assim permaneceu por um tempo, até derrubar duas taças e dormir perto dos cacos.

domingo, 1 de novembro de 2009

ligações (parte 1)


Chegou tropeçando em sorrisos, era a mais bela do local. sua beleza não era física, mas todos reconheciam que era bela, belíssima. pede uma torta de trufas e come delicadamente. vai ao banheiro para retocar o batom. volta. senta. vai ao banheiro novamente, minutos escorrem no espelho. volta. abre um livro. olha o relógio. pega o óculos de grau. começa a ler o livro. volta algumas vezes para entender o que lia. olha ao redor. teme ser pega de surpresa. vai ao telefone público:

-alô.
-Iolanda? é você?
-sim.
-que número é esse? já estou chegando!
-estou ligando do telefone público.
- já estou chegando!
-chegando? você está onde?
-estou saindo do trabalho, uma confusão com a gerente acabou me fazendo perder o horário.
-você nunca se atrasou antes...
-me desculpe, não pude evitar dessa vez.
-você sabia o quão era importante ser pontual hoje, especialmente hoje.
-eu sei, eu estou chegando, não fique irritada comigo, por favor, hoje não.
-você terminou o casamento? ou ao menos começou a falar sobre isso?
-estou no trânsito, podemos discutir isso outra hora.
-eu perguntei se você terminou o casamento.

As lágrimas de Iolanda secaram e seu rosto exalava dor, apenas dor, como uma estátua que não consegue chorar com lágrimas. estava perdendo toda a beleza que até então tomava conta do local.

-não.
-você brigou?
-não, mas é porque...
-não precisa mais vim, eu não estarei aqui quando você chegar.
-não fa...

A ligação caiu, os créditos do cartão tinham chegado ao fim, ela sentiu as pernas bambas, se equilibrou apoiando-se no cabine telefônica, respirou e foi embora, arrastando seu vestido de festa como uma alma.

domingo, 25 de outubro de 2009

Carona

não falou nada
os olhos gritaram
sim, eu ouvi

a voz era engraçada
o olhar, uma carona
mas, eu não sabia falar o caminho
e a boca fechou


- Pode deixar, eu levo você! - disse o abraço.

- Para onde? - perguntaram minhas bochechas vermelhas.

- Hum... não sei... conheço bem pouco... você pode ser o guia? - perguntaram os olhos ansiosos.

- Olha... eu nem sei bem para onde ir. Meio complicado levar você a algum lugar... - responderam minhas mãos escondendo-se em meus bolsos. Meus pés dando pequenos passos para trás completaram:

- Acho que vou ficar por aqui mesmo...

- Não! - seus olhos gritaram e os pés calados deram passos desajeitados para frente, pedindo-me para não fugir.

- Tudo bem. Não vou fugir de você, então. - responderam minhas mãos saindo do bolso. E meu sorriso torto novamente queria saber para onde íamos.

Suas mãos agitadas moveram-se muito rápido enquanto tentaram dizer confusamente que poderíamos fazer várias coisas. Eu não entendi nada, mas achei divertido e minhas mãos em seus braços tentaram acalmá-la. Seu rosto levemente corado insistiu que era uma boba e meus olhos hipnotizados rebateram dizendo que ela era linda.

Alguns pequenos passos para perto dela foram responsáveis pelo meu silêncio e minhas mãos escorregando até apertar todos os seus dedos juntos não sabiam mais nada.

- Vamos? - perguntou seu sorriso sem graça quase querendo se esconder.

E nenhuma parte do meu corpo conseguiu dizer não.


seguimos por esta estrada

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um Quarto de Quinquilharias

No saguão principal da rodoviária um menino quase-sozinho inquieta-se com o arrastar do tempo, que tantas outras horas correra, fugira, dissipara. Estava muito nervoso, o sol ameaçava nascer, temia uma insônia, um pesadelo ou qualquer acontecimento que tirasse sua mãe da cama e a levasse até o bilhete deixado na geladeira com os dizeres (muito bem escolhidos e repensados):

"Vou viajar, tudo me sufoca e estou começando a me satisfazer com algumas canções. Não é fazendo pouco caso das canções, eu apenas nunca esperei resolver meus problemas com uma música, estou afogando, naufragando em velharias, brinquedos quebrados e sentimentos quaisquer. Não sou um quarto de quinquilharias, e se sou, não quero mais ser. Isso me sufoca diariamente, e me cega. Não sei o que me deixa sem ar, o que me deixa sem sentido, mas agora já não me importa saber a causa, procuro apenas a solução, não consigo mais ser completo. Sei que meu coração nunca será maior que o mundo, ele se limita em mim, no espaço que sobra no meu corpo, mas sei que ele ainda pode crescer, tenho um pouco de espaço livre, buscarei dar mais e mais espaço a ele, preciso de ar, muito ar. Com um sorriso triste agradeço tudo que fez, que faz, que planejou fazer por mim. Eu não estou chorando, da mesma forma que você não deve chorar, fico triste, fico alegre, nunca consegui chegar a uma ideia sólida quando se trata de relacionamentos, acho que amo você. Eu achei que conseguiria dizer tudo em um bilhete de recado e aqui estou eu no terceiro bilhete e com letras cada vez mais miúdas. Sinto saudade das coisas que nunca tentamos ser, sei que sentirei saudade de muitas coisas que nunca aconteceram. Porque nossa mente nos prega tantas peças? Tenho pressa, sinto pela rima, sinto mesmo, mas preciso ir.
Se alimente bem, cuide bem das pessoas."

O ônibus chegou e os olhos do garoto nadaram em águas salgadas, sentiu uma dor no peito, por um instante quis que sua mãe tivesse aparecido com um sermão pronto e com uma força incontrolável no pulso, suficiente para arrastá-lo para casa. Seu coração era uma máquina de escrever. E foi, com medo, buscar alegrias que rompessem o limite do "suficiente".

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Sardas

Era uma vez um garoto, não muito diferente dos demais e nem muito parecido com os de menos, era de estatura mediana, peso mediano, sorriso mediano, cabelo mediano, e notas medianas. Me disseram que ele tinha espinhas, mas seria muito mediano, então prefiro acreditar que ele tinha apenas sardas, belas sardas que se debruçavam no centro de seu rosto, uma borboleta em equilíbrio. Um dia escreveu uma carta para a mãe, que de tão pequena parecia um bilhete: "Mãe, se eu fosse um rascunho o que mudaria em mim? Mãe? Responde". A mãe queria tirar suas sardas, a vida do garoto era frequentar dermatologistas, que segundo as más línguas faziam ela lembrar do ex-marido que a abandonou grávida, mas a justificativa era outra: "Manchas na pele nunca são um bom sinal, nunca! É bom tirar logo".

O garoto via comumente no espelho milhares de defeitos e a única "coisa" em seu corpo que o deixava feliz era alvo da perseguição materna, perseguição essa que nunca permitiu ao pequeno receber uma resposta de uma carta-bilhete tão bem elaborada, letras de imprensa e cor sóbria não foram suficientes para forçar uma reposta-parto. As sardas faziam com que o garoto sentisse que havia algo de humano ali, no espelho, algo que o deixava mais próximo das outras pessoas: dos sardentos. Procurava um pai em cada sarda, fosse ela de uma criança, de uma moça ou de um idoso. Todas as sardas juntas formavam seu pai, em sua mente, seu pai estava diluído em uma porção de pessoas dispersas, era assim que o jovem superava suas características medianas, a falta de um pai e as visitas frequentes aos mais distintos dermatologistas. "Não tem como tirar, é muito grande", "Se tirar vai ficar com algumas cicatrizes", "É melhor apenas acompanhar com exames periodicamente", "Não precisa tirar, só precisa fazer um exame e se não der nada de ruim, pronto", e mais e mais palavras, frases, pontos, vírgulas, até que o garoto passou a não ouvir os médicos, certo de que seria apenas mais um, haveria sempre "vamos só em mais um e pronto".

Um dia sentou na mesa ao jantar e disse: "mãe, quero falar com você, sério de verdade", a mãe distraída responde "pode falar filho, estou ouvindo", ele continua "mãe, eu gosto de minhas sardas, elas me lembram do pai que não tenho, elas ficam bonitas de manhã cedo, não quero trocá-las por algumas cicatrizes, não quero sofrer nenhum acidente" e chorou, como um adulto que compreende a perda de um ente querido, como quem sabe que só aquele choro poderia salvá-lo, poderia deixá-lo inteiro, poderia deixá-lo permanecer com sardas. Chorou até receber um bilhete "Eu mudaria suas lágrimas, mudaria em sorrisos, apenas isso".

domingo, 4 de outubro de 2009

mais uma moça

A menina redonda do vestido listrado veio me pedir um beijo. Eu respondi olhando para seus olhos enervados com firmeza "Menina do vestido listrado, beijo não se pede, deixe de ofensas". A menina fez cara de quem não entendeu, redonda, corando as 5 espinhas que enfeitavam seu rosto, pareceu ser de outra espécie. Ficou muda. Me irritei e disse "Aquiete-se com essas ofensas", beijei-a, sem vontade, tive medo de machucar alguma das espinhas, depois temi machucá-la por inteira, terminei o beijo. Estranhamente ela continuou com os olhos fechados por mais 2 minutos, eu pedi para que acordasse e ela me veio com aquela frase "não estou sonhando?", pensei em responder mas preferi ofendê-la com silêncio. Sou baixo, rasteiro, desconto na mesma medida. Me afastei um pouco para que ela não tentasse um segundo beijo, ela falou de meus olhos e de meu cabelo enquanto eu bocejava, fingi que estava atrasado para a missa e ela corou como quem se apaixona em lua cheia. Suspirei de cansaço e ela confundiu com suspiros de amor, a situação pesava e ela soltou mais alguns elogios sem fundamentos, então eu findei a conversa "às vezes é melhor não falar, minto... às vezes não é melhor não falar, às vezes é melhor falar. normalmente é melhor ficar quieto." ela achou que eu falava de amor, eu não aguentei a situação, fui embora.

Voltei no outro dia e ela me esperava, fingindo esperar a prima, na porta do escritório, estagiávamos juntos. Entrou ao meu lado resmungando o atraso da prima, fingi que acreditei e ela ficou aborrecida com a minha lerdeza. O dia se arrastou e no fim tive que me sacrificar antes que ela me matasse, acabei beijando a recepcionista enquanto ela bebia água na sala de espera.

Bololo

Já falei que não posso
Quando disse que não devo. Deveriam ter acreditado...

Por que veio então? Esse papinho não cola.
Agora estamos todos juntos nessa!

Acha que é só você?
Eu também não deveria... mas...

Sabem que podem confiar em mim, não é?
Somos amigos desde sempre! Isso não vai sair daqui, certo?

Estou arrependido... por que fizemos isso?
Não quero mais! Vou embora! Opa!

Parem com isso! Quem correr levará todos nós juntos!
Relaxem. Ninguém nunca vai saber de nada...


sábado, 3 de outubro de 2009

a felizarda

Maria da boca vermelha, a desfilar palavreados sem sentido, coisas que não faziam sentido para qualquer cidadão, nem para sua própria boca febril. Descia pelos morros, sem reparar nas horas, o Sol era seu único referencial, e mesmo assim, ela pouco dava atenção a ele.

Ela tinha sangue a mais de 40ºc nas ancas, e suas coxas, reluzentes como seu sorriso (imperceptível), pulsavam disfarçadamente. As pessoas costumavam reparar nela, mesmo sem interesse algum de se aproximar, apenas por olhar, mas seria pecado demais sentir o cheiro de sua pele queimando por baixo de seus panos baratos.

Era toda média, medida, toda disfarçada. Não fazia questão de disfarçar, por vezes tentava demonstrar, coisas que nem ela sabia. Descobriu-se por fim, estava andando em círculos desde que tinha consciência, ficou inconsciente por algum intervalo de tempo, o suficiente para o Sol esfriar e dar lugar a alguma coisa sem luz própria. Deparou-se em um lugar muito branco, muito limpo, o cheiro era desconhecido, mas seu pano barato estava com algumas manchas de sangue. Chorou por um tempo, como de lá não se via o Sol, não se sabe o quanto chorou, sabia que havia chorado, apenas. Não sabia andar mais, nunca gostou de escândalo, preferia chorar quando não havia muito o que se fazer. Achou estar no céu, assim deduziu com certa facilidade.

Acorda com a cara marcada de asfalto, estava na rua, sente um gosto de planta, havia uma flor branca na sua boca, com o caule firme e frágil, lutando para permanecer com a raiz entre concretos. Pensou, muito que rapidamente, em cuspir e se livrar daquela situação, se lembrou que era uma flor, não era uma pedra, resolveu pôr para fora com a língua, delicadamente, para não machucar a simples elegância. Ouviu conscientemente o roçar da língua nos lábios secos e na flor macia, seca. sentiu que iria ficar surda com tanto barulho, mexeu os braços em posição de flexão e se livrou da dor de ter o poder de matar tão íntegra espécie. Seu pano de cobrir o corpo estava com os mesmos borrões vermelhos que havia notado no local onde chorara, suspeitou que estava reencarnando, suspirou. Cuidadosamente percorreu com as mãos, sujas de terra, boa parte de seu corpo, agora acinzentado, limpou-o como pôde, não levantou a cabeça, não abaixou a cabeça, andou pensando nos seus pensamentos.
Decidiu uma coisa: não iria se casar. Conhecia o bastante a si mesma para saber no que daria um casamento, tal pensamento a tranqüilizou, mais suspiros do batom borrado, não sabia o que era relógio, a felizarda.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Mundo Novo

____________________________meu poema não carrega verdades
____________________________é o registro de um sentir que dura
__________________________________________por segundos,
_____________________________________________ou por anos.
____________________________se não for escrito,
______________________________________se dissipa no vento.


vens de um mundo novo
trazes contigo o que sentes
em diversos balões
que voam atrás de ti quando caminhas
leves grandes pequeninos
densos imensos
ligeiros

______eles contém coincidências prazeirosas
______levezas do futuro
______olhos novos
____________para os meus já um pouco gastos

______aqueles que ainda nada contém
______carregam o valor da possibilidade
______vazios necessários
____________aos novos desejos do porvir

______não importa de que tamanho sejam
______cheios ou ainda vazios
______me mostras os conteúdos
____________quando abres a palma da tua mão

quando nos acompanhamos
sinto encontrar algo que perdi
em algum lugar que nunca estive
mas que é refletido na superfície brilhante
desses balões


__________________houve um abraço
____________que abriu portas e janelas
____________disse
____________o que não se diz

____________eu que me sinto um pouco clandestino
__________________nesse mundo novo
____________me emociono
__________________por sentir em páginas e conversas
__________________um mundo tão próximo
__________________em um tempo tão distante.

A aula

A professora fazia a chamada na sala de aula quando percebeu que um terço da turma não se encontrava. Ficou curiosa, especialmente porque metade desta turma estava indo mal na sua matéria e a prova final do semestre aconteceria em três dias. Primeiro pensou na possibilidade de seus alunos estarem estudando em casa e por isso aquele vazio, aquele silêncio, depois lembrou que não seria cabível tal comportamento visto que a aula era de revisão, eles haviam pedido a aula, pensou que poderia ser um plano para não perder conteúno, se ofendeu. Atormentada pela curiosidade inventou de repente uma atividade de sala e disse que estava com dor de cabeça, precisava tomar remédio. Chegou na secretaria, pediu água e um comprimido, ficou esperando até que a secretária saísse para conseguir o número de alguns alunos que não estavam na sala. Ligou para sete números e obteve a mesma resposta "'Fulano' está no colégio, ainda são 8 horas, quem gostaria?". Sua curiosidade aumentou, aumentou e explodiu quando notou que seu aluno preferido fazia parte desses alunos de paradeiro desconhecido. Aconteceu a prova, dois feriados seguidos, e dias depois a sala estava como de costume: completa, nenhuma cadeira vazia. Ainda consumida pela curiosidade, não sabia se a sala estava completa de fato, sentia um vazio, passou uma atividade, queria que os alunos divagassem abertamente sobre "o que fariam em uma manhã se não pudessem ser descobertos". Os alunos falaram de coisas banais, exceto um rapaz que compartilhou suas fantasias sexuais, entretanto ela nem ouviu, afinal ele estava naquela aula de revisão. No fim da aula ela nada sabia, assim como nunca soube, e os alunos continuaram indo para as suas aulas como se nada houvesse acontecido, cada um (dos 'desaparecidos') com uma falta na caderneta.

sábado, 26 de setembro de 2009

E a pior parte é

Era para ser uma festa. Talvez seja um exagero, era apenas um lançamento de um livro, a palavra apropriada seria um coquetel. Mesmo assim, alegria poderia ser uma palavra comum às duas, ou pelo menos deveria ser dessa maneira.

Um encontro, coquetel, festinha ou qualquer coisa assim. As pessoas precisavam de alguma distração para não passar o tempo apenas olhando para o chão ou para alguma outra pessoa sem nada para dizer além de "olá", "tudo bem". Bem distante de um "Happy Hour", ou qualquer coisa "happy" com certeza. A autora era um pequeno barril de orgulho ferido, mas recusava-se a acreditar nisso. Era uma elegante e "hype" autora de um "best-seller".

Ela circulava pelo pequeno salão procurando pessoas para comprar seu livro fadado ao fracasso. As pessoas ali não poderiam apenas comer, certo? Oras, ela estava dando comida e bebida boa (porém escassa), logo, esses comilões deveriam comprar seu livro! Afinal, era o lançamento e havia um preço promocional (com uma diferença pífia).

Havia uma bonita e gentil senhora vendendo os livros (tentando e aceitava até Hipercard!), um rápido garçom servindo, um senhor tocando guitarra, cantando em um microfone abafado e um simpático fotógrafo distribuindo flashes por lugares estranhos. As pessoas estavam tímidas com as fotos, envergonhadas de correr atrás do garçom, cansadas de ouvir algo que soava como a mesma música e irritadas por terem que interagir com todo aquele povo chato.

Sou o sobrinho da gentil senhora que vende os livros. Estou afundando aqui nesta cadeira plástica e dura (escorregando, porque qualquer coisa que afundasse provocaria, no mínimo uma rachadura neste material desconfortável).

E a pior parte é que essa grande autora tem esperança mesmo de vender seus livros até a última pessoa ir embora. Ela deveria desistir disso, eu serei um dos últimos e com certeza não comprarei esse fiasco.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

a moça

A cabeça voava durante o seminário, era um congresso chato e qualquer pensamento jurídico profanado era sentido como mais uma facada. Todas as outras pessoas, a priori, pareciam compenetradas, inclusive ela parecia compenetrada, doce superficialidade. Resolveu, sem se dar conta, não sentir mais dor, já era concursada e não estava ali por conhecimento, pura formalidade. Com o passar do tempo passou a observar os demais ouvintes. O rapaz que estava diagonalmente à sua frente-direita tateava um anel dourado que parecia uma aliança, ora na mão direita, ora na mão esquerda, minutos depois suspirou e colocou no bolso do paletó, fixando por fim os olhos no palestrante da noite. Uma moça negra, loira, que estava à sua esquerda passava batom a cada cinco minutos, mal sabia ela que sua boca estava ficando maior que suas ancas, riu.

A moça começava a ficar com dor de cabeça, então uma gota de suor começou a se formar na sua testa, o ar condicionado fora desligado, a gota de suor começou a deslizar e quando se encontrou de frente com a dor de cabeça começou a rasgar sua face, conseguiu imaginar uma cicatriz. Respirou fundo, criou coragem, levantou-se e foi ao banheiro. Observou no relógio que já era uma hora, se sentiu ainda mais cansada, a palestra havia começado às vinte e duas horas. Lavou o rosto, tirou parte da maquiagem, e na saída se esbarrou no rapaz do anel, se desculpou e o beijou. Ela sabia que teria beijado qualquer outro rapaz, estava cansada demais, mas mesmo assim achou que o beijou para afrontar o anel que julgara ser uma aliança, sua mente mesmo exausta lhe pregava peças, fruto de uma infância cristã (católica). Durante o beijo pensou em duas únicas coisas: a aliança e o banheiro vazio. Não havia sentido o fim do beijo quando ouviu em sussuros "vou casar essa semana". Ela não ouviu, ou fingiu não ouvir, deu mais um beijo, o olhou nos olhos, e mais um beijo. Sua mente palpitava em dor, resolveu ir embora, e foi. Chegou em casa tarde, ninguém a esperava, foi para a banheira e viu o dia amanhecer preguiçoso pela sua janela ao som de Melody Gardot.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Encontro

Oi!

Eu... hã... sim...
não... não era...
era... bem... não foi...
o que foi... enfim...

tentou ver
tentou dizer
tentou ouvir
eu ainda estou aqui
e você não sabe.

Foi tudo mentira, a vida não me levou para longe. Nada morreu. Temos tempo. Não posso levar você agora e tenho que ir. Acho que sinto.

Muito.

Vem! Tire-me daqui.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

cansaço

um vento cansado ainda sopra meus cabelos já sujos
meu olhos sem esperança me assistem no espelho
pedindo por uma resposta que eu nunca chega

_____________ (houve um tempo em que abriu-se no meu peito um rio
_____________ profundo, de altas encostas,
_____________ no seu leito águas fortes e profundas)

ainda não sei o que mataste
mas do lado de cá existe metade vivo
carrego o luto de um morto-vivo

_____________ (numa noite as águas sumiram
_____________ não foi de seca nem foi aos poucos
_____________ foram de assalto subtraídas)


o que ainda vivo amor, preciso enterrá-lo vivo
porque viver na metade da ausência
é pior que morrer: é corroer o mundo aos poucos

_____________ (hoje o que sobrou desse rio
_____________ é traço vermelho que marca minha pele
_____________ cicatriz dessas águas impossíveis)



nem mesmo ter gasto todas as minhas palavras foi suficiente pra apagar alguns pensamentos que me visitam já tarde. Dividir esse sentir pode aliviar meu peito que ás vezes se aperta.

sábado, 19 de setembro de 2009

deixa disso...

Sim, saí com ela no final de semana passado, mas e daí? Estávamos apenas estudando para a prova! Desde o início do semestre que estamos estudando juntos todo fim de semana. Eu havia contado isso para você, lembra? Mas você acreditou? Não! Preferiu ficar dando ouvidos a qualquer não-sei-quemzinho por aí!

Você sabia... quer dizer, claro que sabia! Você lembrou que ela tem um namorado? Ou melhor, tinha? Não, né? Porque logo depois desse escândalo todo eles terminaram! E o seu namorado, lembrou que tinha um? Também não, né?! Que bom!

Sabe quanto tempo eu esperei pelo fim desse namoro dela? Eu já nem lembro, mas quando comecei a namorar com você eu já tinha desistido de atrapalhar a vida dos dois. Resolvi tentar alguma coisa com você, nada sério, apenas para passar o tempo e fazer um ciúmes mas... não deu muito certo.

Pode ser meio decepcionante não conseguir nem ser um passatempo eficiente, mas pelo menos conseguiu fazer o que eu venho tentando há tanto tempo. Não tenho dúvidas de que você é uma pessoa incrível e mesmo relutando... eu tenho que agradecer por esse tempo que ficamos juntos. Realmente, Deus escreve certo por linhas tortas.

Não vê? Apesar de todo esse espetáculo armado, eu não estou triste com você! E muito menos com raiva! Na verdade, controlo-me para não dar pulos de alegria por conseguir uma nova chance e ao mesmo tempo livrar-me de nós! Foi a melhor coisa que alguém poderia ter feito por mim. Muito, muito obrigado mesmo!

Amor... deixa o que os outros falam para lá! Não está vendo o quanto você consegue me fazer feliz? Agora... larga essa arma no chão e vai para casa descansar... tudo que você precisa é de uma boa noite de sono. Eu também estou precisando dormir, mas, antes vou passar na casa dela para consolá-la.

Vamos fazer o seguinte? Deixa essa arma aqui, certo? Aí eu levo você em casa e no caminho de volta eu passo na casa dela. Amanhã sem falta, logo cedo, eu ligo e conto como foi lá. Se já estivermos namorando eu garanto que você será a primeira a saber!

Ah não... você não vai tentar me matar agora... vai?

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Passeio

Sábado de manhã, finalmente não teria aula, resolveu ir ao MAM (Museu de Arte Moderna) para espairecer, sentir o sol, a pele queimar, ver finalmente a exposição de Sophie Calle. Planejou o dia, como era de se esperar, como fazia todo sábado. Saiu de ônibus, não queria conhecer ninguém, seria um dia seu, aquelas coisas bobas que as pessoas inventam sem razão alguma e que geralmente no fim das contas chegam a conclusão de que fora uma "burrice".

No ônibus, vazio, típico de uma manhã de sábado, se sentia confortável, afinal era a primeira passageira, mas ao longo do percurso começou a encher, enchimento esse que nunca se completou. Viu um ser de cores entrando e desde então não pensava mais em si mesma, perdera os planos, chegaram juntas ao MAM, depois de tentativas frustradas de disfarçar olhares. Era quase uma hora da tarde e o sol sambava em suas peles, suor para lavar não-se-sabe-o-que, o museu só abriria às duas, acontecera algum imprevisto, e a exposição não seria a planejada, havia olhado a data errado, se atrapalhou, só restava improvisar.

_Oi, boa tarde, você sabe o que tem aqui hoje?
_Boa tarde. Vai acontecer uma exposição de fotografias de dança.
_Obrigada. Você sabe se essa exposição é boa? nunca ouvi falar dessa fotógrafa.
_Não sei te dar essas informações. Só sei que ela era dançarina, anda de ônibus e costuma ficar no sol por sempre chegar antes do horário.
_Então você é a Cristina Mendonça?
_Sim, e você? tem nome?
_Mariana, prazer.
_Prazer. Quer tomar um sorvete enquanto não são duas horas?
_Aceito.

Conversaram por longas horas, antes, durante e depois da exposição. Acabaram bêbadas às 5 da manhã em um boteco desconhecido, depois cada uma foi para sua casa e desde então Mariana planeja seus dias rezando para dar tudo errado.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

descanse.

Respire no meu colo
no meu mundo o que procuras
teus dedos nos fios dos meus cabelos
emaranhados.

Mordo um pedaço da tua vida
só pra sentir o gosto
e depois te devolvo
um bocado a mais misturado
com a minha.

Te dou como um presente
este pedaço teu
contamindado de mim.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Não, não? (B - 2)

Talvez eu não tivesse coragem para começar a correr se pensasse na vergonha que eu deveria estar passando. Se qualquer coisa racional estivesse em minha cabeça funcionando como âncora, eu certamente não estaria correndo. O problema é que eu só conseguia pensar em você, até mesmo antes de perceber que você estava realmente na minha frente. Durante alguns segundos fiquei na dúvida se eu estava sonhando ou vivendo.

Eu estava correndo muito, mas não era o suficiente. Havia uma distância considerável entre nós e meus saltos não ajudavam muito. Por que está fugindo assim? E como corre... parece um desesperado! Rídiculo! Que raiva! Todos do shopping devem estar olhando para ele agora, com certeza! O que quer? Chamar atenção? Se a maioria das pessoas não estivesse olhando para a louca de salto alto correndo... quem sabe?

Já não vejo mais tão claramente a sua figura escorregadia. Ela continua em minha mente, mas nem suas sombras consigo ver mais. Minha cabeça parece dar voltas e meu corpo sente o cansaço dessas voltas materializadas em uma corrida sem sentido. Cansada, frustrada e com muita raiva! Quem ele pensa que é para brincar assim com meus limites entre sonhos e realidade? O que quer fazer comigo?

Por que eu não consigo parar de pensar em você? Até quando estou falando comigo, acho que você está me ouvindo, mas nunca responde! Decida-se! Não pode continuar sendo um sonho tão real, ou uma realidade tão fantástica. Deixe-me alcançar você e saber o seu nome. Afinal, eu tenho o direito de conhecer a minha fantasia, certo? Ou, eu poderia dar-lhe qualquer nome, mesmo. Assim, eu teria algum controle, acho. Posses e domínios começam com nomes, não?

Ele não pode ter esse poder em mim. Ele é apenas uma fantasia que eu quero desmistificar. Claro, tem algo de real, ele existe. Isso me deixa assustada... e ansiosa! Essa bagunça entre sonho e realidade está acabando com a minha sanidade mental. Acho que tudo não deve passar de um pesadelo. E eu devo acabar com ele, o mais rápido possível!

Eu não posso. Eu não quero. Estou adorando essa tortura!

Leia também Não, não? (B-1)

sábado, 5 de setembro de 2009

Beirut Band

Enganou-se quem achou que apenas Beirut apresentaria-se na 16ª edição do Perc Pan (em Salvador). Algumas atrações desconhecidas, claro, mas, além de Beirut, alguns "bands" foram responsáveis pelo sucesso da noite.
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A começar pelo "band" vândalo que não contente em apenas levantar, teve que subir também nas poltronas do teatro, onde aconteceu o show e nas caixas de som. O "band" louco que ignorou o tamanho do palco e subiu para conseguir levar algum pedacinho do Zach (vocalista do Beirut) também foi sensação! Bom, as primeiras trinta pessoas poderiam até cantar junto com ele... mas, elas não pareciam muito interessadas em cantar nada. Em parceria com o "band" louco estava o "band" ladrão que, muito esperto, notou logo que não conseguiria levar o Zach para casa, e muito menos um pedaço dele. Decidiu então levar um microfone. Poderia ser mais útil para sua "band", não?
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O baterista, sortudo, foi o único que nem sofreu assédio. Ouvi comentários de alguém do "band" histérica que a Beirut era toda boa, exceto o baterista, devido a problemas com seu maxilar, acho. Outra integrante desse "band" disse que o "sanfonêro" não era gatinho, mas... ela pegava! A pequena senhorita ao lado disse que pegava fácil e todo! Ela era do "band" biscate, se não me engano.
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Não sei o que aconteceu com o Beirut, não encontrei nenhum deles por lá. Tinha um "band" muito louco parecido que apresentou-se lá. Um "band" bêbado tentando tocar alguma coisa entre algum fraco português que enrolou a platéia, uma dificuldade na voz para cantar e alguns constrangimentos durante todo o show.
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Para fanáticos: não-sei-quem falou que o show de Beirut em Salvador não foi bom. E não que a banda não é boa, ou que não gosta do trabalho deles. Não-sei-quem foi apenas para vê-los e infelizmente viu esse "band"coisa.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Não, não? (Testemunhas - 1)

Droga! Por que o Ricardo não atende essa merda de celular? O que eu tô fazendo aqui? Ai, que raiva! Eu devia ter saído com a Bete! Ela vai me matar se souber que eu deixei de sair com ela para encontrar com o Ricardo... e o canalha nem sinal de vida dá!

Pelo menos não estou sozinha aqui... aquelas duas biscates tentando arrumar cortesia para entrar na festa... quatro caras gordinhos, parecendo fazendeiros e achando que vão pegar a festa inteira... ugh... espero que nem tentem encostar em mim!

Eu só não consegui entender aqueles dois que estava aqui até poucos minutos atrás. Bem estranhos...

Quando cheguei, ele já estava aqui esperando alguém. Ela apareceu com vários amigos, mas parece que tiveram algum problema para entrar. Eram estrangeiros, acho, não tinham carteira de identidade e, sinceramente, algumas ali deviam ser bem novinhas... 18 seria a idade máxima! Ela estava nesse grupo das novinhas, usava uma calça jeans verde, ridícula e uma blusinha branca com aparência de velha.

Ele estava neutro e silencioso. Quando ela falou com ele foi bastante estranho. Ela parecia estar meio inquieta, exaltada e ele sempre calmo. Acho que isso estava deixando-a mais irritada... não entendi muito bem... ela chega atrasada, parece brigar com o menino, também aparentemente novinho, e os dois, de repente, ficam parados. Depois ela entra na festa com os amigos e ele continua imóvel, parecendo ainda mais neutro. Passa um tempinho e uma outra garota chega, eles conversam um pouco e vão embora sem entrar na festa! Nada faz sentido! Que gente esquisita...

Ai, Ricardo... onde é que você tá...

sábado, 29 de agosto de 2009

Não, não? (B - 1)

Devo ter sido bem idiota quando falei que não deixaria você em paz. Sua presença em minha mente agora é o castigo que estou pagando por isso, não é?
Ah... bem que você poderia aparecer mais uma vez... seu jeito tão calado... tão bonito quando fica todo vermelhinho!

Essa sua expressão contínua deixa-me muito irritada! Tenho vontade de dar-lhe um tapa para ver se aparece alguma mudança em seu rosto. Quase meia hora (acho) perdida conversando com você, apenas um estranho! Esperando alguma reação... e nada! Não sou acostumada com isso. Gosto de conseguir o que quero. E com você eu não sabia nem o que queria.

O que mais quero agora é encontrar você outra vez. Não sei para quê, mas é o que desejo. "Sim, sim. Sim, sim. Sim, sim" é tudo que eu consigo ouvir ecoando agora em minha cabeça junto com sua imagem caminhando pelos corredores desse shopping vazio. Sou uma completa idiota, com perguntas totalmente bobas. O que mais eu poderia esperar ouvir como resposta? "Sim, sim." Sim, foi o que mereci. Você falou mais algumas coisas... mas eu não conseguia entender nada enquanto procurava por seus olhos.

Eu queria mais. Posso ter sido insuportável naquele dia, muito inconveniente. Não tinha mais muitas esperanças... fiz a última pergunta, não tinha mais tempo. Em alguma ferida eu toquei ou algum outro ponto devo ter acertado. Seu rosto ficou todo vermelho e seus olhos alcançaram os meus pela primeira vez.

Meu olhar queria continuar de mãos dadas com o seu. As mãos dos seus olhos suavam muito. Estavam tremendo e não conseguiam ser mais fortes do que a força dos meus amigos que puxavam-me para dentro da festa. A certeza de uma lágrima teria força suficiente para me deixar ali parada, mas você negou seus olhos e guardou-se em sua individualidade novamente.

Hum... devo estar ficando louca mesmo para imaginar você correndo no shopping... ou... não! Seria ridículo. Ridícula sou eu, imaginando coisas! Mas... não está correndo em minha direção como deveria imaginar... De tanto pensar, você resolveu aparecer de verdade? E eu estou deixando você fugir? Já está meio longe... eu não conseguiria alcançar. Correr atrás de você seria ridículo. Ainda mais em um shopping! Não... não irei fazer isso!

... sou uma ridícula!

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Não, não? (A - 1)

Mais de quinze minutos atrasado e ainda não tinha certeza se deveria ir para o trabalho. Claro, era importante trabalhar, mas eu não poderia chegar assim, cansado, irritado e triste. Era um ponto além de qualquer forte maquiagem social e dificilmente um largo sorriso conseguiria dar jeito. Espinhas de raiva para explodir em tons nojentos e olheiras profundas de tristeza venciam qualquer tentativa de comportamentos socialmente aceitos para um dia normal.

Se eu não tivesse que procurar o lugar mais escondido naquele restaurante da comida levemente desagradável... talvez eu teria mais tempo. Ou se eu não tivesse visto você com aquele olhar perdido... essa crise de perseguição não teria recomeçado.

Prometeu que não me deixaria em paz, enquanto eu apenas queria que fosse embora. Cerca de quinze minutos depois, você sumiu e eu ganhei uma maldição. Seu comportamento irritante deve ter sido proposital para me fazer aceitar inconscientemente esse trato! Mas... você nem me conhece. Como poderia não me deixar em paz? Saberia onde me encontrar?

Não... eu não contava com essa hipótese... apenas lembro de ter avisado sobre o perigo de encontrar-me antes das oito horas da manhã, ou após as três da madrugada. Eu não poderia reclamar, eram duas e quinze da tarde. Estava dentro da margem de encontro.

É impossível fugir do tempo ou da existência. Soa um pouco ridículo também. Porém, ainda tenho pernas para correr, o que também não deixa de ser ridículo.Um pouco inesperado e, de certa forma, inconveniente. Deve estar olhando para mim agora. O riso corre em sua boca enquanto eu procuro afobado pela saída mais próxima da rotina.

domingo, 23 de agosto de 2009

alguma fama

O batom borrado nunca fora fonte de informação, afinal era rosa e não vermelho-sangue. Seu vestido rasgado em lugares estranhos, como cintura e ombro, fazia as pessoas comentarem, inventarem. Ela não era um corpo sem nome, era conhecida, as pessoas sabiam seu sobrenome e seu vestido era de alta costura, desdizendo sua aparente imagem de desleixada. Seu cabelo jamais seria fonte de informação, assim como o batom, pois era cacheado e não precisava de arrumação rebuscada, era sóbrio e belo, independia do que acontecera previamente.

Seu rosto parecia mais torneado que o próprio corpo, a pele não era mácia, não era transparente, não era muita coisa convencional, era morena como quem frequenta a praia pela manhã para caminhadas, apesar de não frenquentar a praia enquanto o sol reinava. Parecia gostar do sol, apesar de nunca ter sido publicada nenhuma anotação a respeito, sempre falava do reflexo da lua nas águas do atlântico, dizia em algumas entrevistas que podia ver o mundo inteiro de sua varanda, onde hibernava no inverno. Diziam que se encontrava na reabilitação, nos invernos, até que surgiram fotos suas vendo filme em um agosto chuvoso e os novos rumores surgiram. Algumas pessoas viviam para tentar saber de todas-as-coisas de sua vida, não era estrela de cinema, não era cantora, não era apresentadora, ou vivente de qualquer outra badalação, era artista de casa e não sabia atribuir valores a suas obras.

Sua naturalidade em ser espantava os raros fotografos que se dedicavam a registrá-la, não era a artista do ano, nem nunca fora indicada. Se achava tão comum a ponto de estranhar seu nome em algumas revistas, estranhava as mentiras espalhadas e as suas "peculiaridades" expostas nos rodapés das revistas. Um dia, em uma coluna que lhe fora oferecida em uma revista de moda, escreveu: "Não uso maquiagem, não uso cremes, apenas vivo o que vivo, uso o que necessito usar, o que me dão, o que chega até mim, não sou nada além de pó, um pó que sente algumas coisas estranhas e deságua em barro, pedra, pano, papel, notas sonoras e momentos de isolamento." Ao ser publicada a revista, sua coluna não aparecia, "erro na edição", mas ela nunca soube, não compraria uma revista de moda, isso ela disse em outra entrevista, e ninguém sabe se ela era assim mesmo.

Olha o aviãozinho... [6 de 6]

- Amor, não vamos continuar brigando aqui, por favor... O que as pessoas devem estar pensando?
- Não sei... mas... eu não estou brigando com você!
- Não?
Não? Eu estava quase chegando ao meu assento e ainda escutava o falatório dos dois. Não estavam brigando? Seria ótimo!
- Claro que não. Eu nem estou falando com você!
- Ah... mas Am... tá bom. Eu também não estou falando com você!
- Ótimo! Cala a boca então, porque eu quero dormir!
- Eu vou ficar quieto mesmo, porque eu não sou desses malucos que fica falando sozinho!
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Madrugada, quatro horas... eu estava com sono também. A família ao meu lado estava toda dormindo, o fogo daqueles pestinhas finalmente apagou-se e a mãe, coitada, também caiu no sono. O pequeno garoto doente parecia ter dormido também. A luz individual de Ed estava acesa. Talvez estivesse lendo, dormindo, ou pensando em qualquer coisa. Não deveria estar comendo seu cookie Bauducco, não havia barulho.
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Alguns sussurros e roncos. O fundo do avião continuava vivo. O comissário e a aeromoça já não apareciam mais na região dos primeiros assentos. Todos os problemas foram resolvidos.

O filho tinha voltado para selar a paz entre os pais, que nada falavam. Apenas dormiam, enquanto suas mãos entrelaçavam-se na divisória entre assentos, ou encosto para braço. Uma cena muito bonita e romântica. Poderia ser desfeita apenas por um olhar observador para o braço dele, que estava por cima e cheio de marcas vermelhas e arranhões de unhas bem afiadas. Encostos de braços são ótimos para brigas silenciosas.
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Ninguém vê essas coisas. Detalhes da realidade são muito chatos. É muito mais interessante, rápido, confortável e útil continuar acreditando no que nossa cabeça quer.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Começo

- Resolvi casar. Não quero festas, nada de igrejas! Seria interessante se acontecesse secretamente... ninguém precisa saber. Ele não precisa saber e, muito menos ela, não dessa forma...

- Você está louco? Eu quero igreja, sim! Uma grande festa! E todos precisam saber da nossa união! Será o acontecimento ano! Ele vai acabar sabendo... e ela também! Quero muito isso! Acha que eu perderia esse gostinho?

- Sim, eles saberão, claro. Mas... não desse seu jeito!

- Como então? Ah! Eles precisam saber! Certamente escutarão comentários de outros e, estes serão confirmados com os convites!

- Com comentários ou não, ela saberia através do sentimento... coisa que eu não sei...

- Sentimento? Que coisa ridícula! Nem você sabe, tá vendo?

"... coisa que eu nem sei se ainda tenho por você..."

- Ai, amor... finalmente ficaremos juntos!

"... e esse tempo todo que passamos?"

- Teremos nosso final feliz! Isso não é maravilhoso?

- Sim, é... - "Não quero o fim."

- Um sonho!

"Ruim. Preciso acordar! Adeus!" - Amor...

- Diga, lindo...

- Vou comprar cigarros.

- Não demore! - "cigarros?" - Amor, você... - "fuma?"

"Quero o feliz sem final!" - Vou começar agora!

uma outra versão aqui! (após novo começo)