sábado, 29 de agosto de 2009

Não, não? (B - 1)

Devo ter sido bem idiota quando falei que não deixaria você em paz. Sua presença em minha mente agora é o castigo que estou pagando por isso, não é?
Ah... bem que você poderia aparecer mais uma vez... seu jeito tão calado... tão bonito quando fica todo vermelhinho!

Essa sua expressão contínua deixa-me muito irritada! Tenho vontade de dar-lhe um tapa para ver se aparece alguma mudança em seu rosto. Quase meia hora (acho) perdida conversando com você, apenas um estranho! Esperando alguma reação... e nada! Não sou acostumada com isso. Gosto de conseguir o que quero. E com você eu não sabia nem o que queria.

O que mais quero agora é encontrar você outra vez. Não sei para quê, mas é o que desejo. "Sim, sim. Sim, sim. Sim, sim" é tudo que eu consigo ouvir ecoando agora em minha cabeça junto com sua imagem caminhando pelos corredores desse shopping vazio. Sou uma completa idiota, com perguntas totalmente bobas. O que mais eu poderia esperar ouvir como resposta? "Sim, sim." Sim, foi o que mereci. Você falou mais algumas coisas... mas eu não conseguia entender nada enquanto procurava por seus olhos.

Eu queria mais. Posso ter sido insuportável naquele dia, muito inconveniente. Não tinha mais muitas esperanças... fiz a última pergunta, não tinha mais tempo. Em alguma ferida eu toquei ou algum outro ponto devo ter acertado. Seu rosto ficou todo vermelho e seus olhos alcançaram os meus pela primeira vez.

Meu olhar queria continuar de mãos dadas com o seu. As mãos dos seus olhos suavam muito. Estavam tremendo e não conseguiam ser mais fortes do que a força dos meus amigos que puxavam-me para dentro da festa. A certeza de uma lágrima teria força suficiente para me deixar ali parada, mas você negou seus olhos e guardou-se em sua individualidade novamente.

Hum... devo estar ficando louca mesmo para imaginar você correndo no shopping... ou... não! Seria ridículo. Ridícula sou eu, imaginando coisas! Mas... não está correndo em minha direção como deveria imaginar... De tanto pensar, você resolveu aparecer de verdade? E eu estou deixando você fugir? Já está meio longe... eu não conseguiria alcançar. Correr atrás de você seria ridículo. Ainda mais em um shopping! Não... não irei fazer isso!

... sou uma ridícula!

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Não, não? (A - 1)

Mais de quinze minutos atrasado e ainda não tinha certeza se deveria ir para o trabalho. Claro, era importante trabalhar, mas eu não poderia chegar assim, cansado, irritado e triste. Era um ponto além de qualquer forte maquiagem social e dificilmente um largo sorriso conseguiria dar jeito. Espinhas de raiva para explodir em tons nojentos e olheiras profundas de tristeza venciam qualquer tentativa de comportamentos socialmente aceitos para um dia normal.

Se eu não tivesse que procurar o lugar mais escondido naquele restaurante da comida levemente desagradável... talvez eu teria mais tempo. Ou se eu não tivesse visto você com aquele olhar perdido... essa crise de perseguição não teria recomeçado.

Prometeu que não me deixaria em paz, enquanto eu apenas queria que fosse embora. Cerca de quinze minutos depois, você sumiu e eu ganhei uma maldição. Seu comportamento irritante deve ter sido proposital para me fazer aceitar inconscientemente esse trato! Mas... você nem me conhece. Como poderia não me deixar em paz? Saberia onde me encontrar?

Não... eu não contava com essa hipótese... apenas lembro de ter avisado sobre o perigo de encontrar-me antes das oito horas da manhã, ou após as três da madrugada. Eu não poderia reclamar, eram duas e quinze da tarde. Estava dentro da margem de encontro.

É impossível fugir do tempo ou da existência. Soa um pouco ridículo também. Porém, ainda tenho pernas para correr, o que também não deixa de ser ridículo.Um pouco inesperado e, de certa forma, inconveniente. Deve estar olhando para mim agora. O riso corre em sua boca enquanto eu procuro afobado pela saída mais próxima da rotina.

domingo, 23 de agosto de 2009

alguma fama

O batom borrado nunca fora fonte de informação, afinal era rosa e não vermelho-sangue. Seu vestido rasgado em lugares estranhos, como cintura e ombro, fazia as pessoas comentarem, inventarem. Ela não era um corpo sem nome, era conhecida, as pessoas sabiam seu sobrenome e seu vestido era de alta costura, desdizendo sua aparente imagem de desleixada. Seu cabelo jamais seria fonte de informação, assim como o batom, pois era cacheado e não precisava de arrumação rebuscada, era sóbrio e belo, independia do que acontecera previamente.

Seu rosto parecia mais torneado que o próprio corpo, a pele não era mácia, não era transparente, não era muita coisa convencional, era morena como quem frequenta a praia pela manhã para caminhadas, apesar de não frenquentar a praia enquanto o sol reinava. Parecia gostar do sol, apesar de nunca ter sido publicada nenhuma anotação a respeito, sempre falava do reflexo da lua nas águas do atlântico, dizia em algumas entrevistas que podia ver o mundo inteiro de sua varanda, onde hibernava no inverno. Diziam que se encontrava na reabilitação, nos invernos, até que surgiram fotos suas vendo filme em um agosto chuvoso e os novos rumores surgiram. Algumas pessoas viviam para tentar saber de todas-as-coisas de sua vida, não era estrela de cinema, não era cantora, não era apresentadora, ou vivente de qualquer outra badalação, era artista de casa e não sabia atribuir valores a suas obras.

Sua naturalidade em ser espantava os raros fotografos que se dedicavam a registrá-la, não era a artista do ano, nem nunca fora indicada. Se achava tão comum a ponto de estranhar seu nome em algumas revistas, estranhava as mentiras espalhadas e as suas "peculiaridades" expostas nos rodapés das revistas. Um dia, em uma coluna que lhe fora oferecida em uma revista de moda, escreveu: "Não uso maquiagem, não uso cremes, apenas vivo o que vivo, uso o que necessito usar, o que me dão, o que chega até mim, não sou nada além de pó, um pó que sente algumas coisas estranhas e deságua em barro, pedra, pano, papel, notas sonoras e momentos de isolamento." Ao ser publicada a revista, sua coluna não aparecia, "erro na edição", mas ela nunca soube, não compraria uma revista de moda, isso ela disse em outra entrevista, e ninguém sabe se ela era assim mesmo.

Olha o aviãozinho... [6 de 6]

- Amor, não vamos continuar brigando aqui, por favor... O que as pessoas devem estar pensando?
- Não sei... mas... eu não estou brigando com você!
- Não?
Não? Eu estava quase chegando ao meu assento e ainda escutava o falatório dos dois. Não estavam brigando? Seria ótimo!
- Claro que não. Eu nem estou falando com você!
- Ah... mas Am... tá bom. Eu também não estou falando com você!
- Ótimo! Cala a boca então, porque eu quero dormir!
- Eu vou ficar quieto mesmo, porque eu não sou desses malucos que fica falando sozinho!
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Madrugada, quatro horas... eu estava com sono também. A família ao meu lado estava toda dormindo, o fogo daqueles pestinhas finalmente apagou-se e a mãe, coitada, também caiu no sono. O pequeno garoto doente parecia ter dormido também. A luz individual de Ed estava acesa. Talvez estivesse lendo, dormindo, ou pensando em qualquer coisa. Não deveria estar comendo seu cookie Bauducco, não havia barulho.
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Alguns sussurros e roncos. O fundo do avião continuava vivo. O comissário e a aeromoça já não apareciam mais na região dos primeiros assentos. Todos os problemas foram resolvidos.

O filho tinha voltado para selar a paz entre os pais, que nada falavam. Apenas dormiam, enquanto suas mãos entrelaçavam-se na divisória entre assentos, ou encosto para braço. Uma cena muito bonita e romântica. Poderia ser desfeita apenas por um olhar observador para o braço dele, que estava por cima e cheio de marcas vermelhas e arranhões de unhas bem afiadas. Encostos de braços são ótimos para brigas silenciosas.
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Ninguém vê essas coisas. Detalhes da realidade são muito chatos. É muito mais interessante, rápido, confortável e útil continuar acreditando no que nossa cabeça quer.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Começo

- Resolvi casar. Não quero festas, nada de igrejas! Seria interessante se acontecesse secretamente... ninguém precisa saber. Ele não precisa saber e, muito menos ela, não dessa forma...

- Você está louco? Eu quero igreja, sim! Uma grande festa! E todos precisam saber da nossa união! Será o acontecimento ano! Ele vai acabar sabendo... e ela também! Quero muito isso! Acha que eu perderia esse gostinho?

- Sim, eles saberão, claro. Mas... não desse seu jeito!

- Como então? Ah! Eles precisam saber! Certamente escutarão comentários de outros e, estes serão confirmados com os convites!

- Com comentários ou não, ela saberia através do sentimento... coisa que eu não sei...

- Sentimento? Que coisa ridícula! Nem você sabe, tá vendo?

"... coisa que eu nem sei se ainda tenho por você..."

- Ai, amor... finalmente ficaremos juntos!

"... e esse tempo todo que passamos?"

- Teremos nosso final feliz! Isso não é maravilhoso?

- Sim, é... - "Não quero o fim."

- Um sonho!

"Ruim. Preciso acordar! Adeus!" - Amor...

- Diga, lindo...

- Vou comprar cigarros.

- Não demore! - "cigarros?" - Amor, você... - "fuma?"

"Quero o feliz sem final!" - Vou começar agora!

uma outra versão aqui! (após novo começo)


sexta-feira, 14 de agosto de 2009

um novo-Sebo

Segundo um velho, gerente de um sebo recém aberto, semana passada houve um curioso encontro em seu corredor amadeirado, e enquanto o rapaz se esforçava para fingir que não reconhecia a moça, esta, segurando um bilhão de lágrimas, começou a proferir pensamentos que pareciam ter sido por muito tempo só seus:

_Então, eu te amo, apenas isso. É o que queria ouvir? Será que era exatamente isso que queria ouvir? Eu sei que não. Você sempre preferiu quando eu dizia que não te amava, só para poder tentar me conquistar um pouco mais. Agora olho para sua expressão muda e digo que te amo porque tenho a certeza de que essa é a única maneira de fazer você ir embora (sem ter que mentir). Tudo se tornou tão previsível, tão corriqueiro... passei a amar essa estabilidade... e se agora, ou algum outro dia você resolver inovar e recomeçar a encenar um amor de feriado, como tantas outras vezes, estará tudo acabado. Você é minha antiguidade mais rara, a peça de entrada de meu museu que estranhamente pode ser tocada por qualquer visitante, exceto seu dono. Não se preocupe em tentar encontrar voz para dizer que não sabe o que me responder, você nunca soube ao certo. Ah, me parece fascinante como a distância de uma montanha para um abismo pode ser tão ínfima. De alguma maneira você estará sempre comigo, me dando força, essa foi a única parte sua que restou. Eu te redesenhei para poder amar uma pessoa íntegra e agora eu não posso te ouvir porque demorei tempo demais te moldando para permitir que você se destrua mais uma vez. E se um dia me amar escreva um poema em um papel rabiscado e jogue-o, ainda inacabado, no mar.

Depois de tudo ouvir, o rapaz que vestia uma camisa azul celeste, sem querer, deixa cair uma lágrima do olho esquerdo e dois livros de poesia de Manoel de Barros, tropeça no degrau e sai do sebo. E hoje o velho veio me contar isso, querendo que eu criasse um final, quando eu disse que não sabia criar final para histórias reais ele, com a cabeça baixa respondeu: "Mas história sem fim é livro pela metade e em meu sebo livro faltando página não entra, pois se você não cria, eu, forçadamente, crio um fim: eles nunca mais se viram."

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Com carinho

Na semana passada ofereci minha pouco usada habilidade de cupido. Avisei que não era muito bom nisso. Quer dizer... tudo daria certo se você realmente gostasse dela ou dele e ele ou ela gostasse realmente de você, mas isso é muito difícil de acontecer. Para uma simples pegação doentia eu não sei formular receitas ou acabo prestando uma insuficiente consultoria.

Tenho, porém, uma boa experiência no currículo! Sim! Um casal que uni há cinco anos! Dizem as boas línguas que eles estão juntos até hoje. As más dizem que foram fiéis durante o primeiro mês. Bom... um mês de amor pleno deve valer bastante no mercado de encontros e entretenimento social.

Quatro anos e onze meses juntos em adultério constante deve ter seu valor também. Não deve ser fácil... Mês que vem serão cinco anos! Bodas? Oh... não! Não precisam se incomodar com nenhum discurso agradecendo a minha influência inicial. A felicidade de vocês já é o maior agradecimento. E é um imenso prazer ver um casal assim, ainda unido, há tanto tempo!

O tédio e a mesmice acabando com tantos relacionamentos por aí... e vocês firmes e fortes em uma vida de realizações, aventuras e surpresas! Sempre novas coisas para descobrir e lidar deve ser mesmo empolgante. E a inveja das pessoas? Elas falam cada coisa... nada além de ciúmes e inveja dos amigos... o que eles queriam mesmo era estar no lugar de vocês! Acreditem!

Lembrem-se que o amigo aqui não tem nada disso, viu? Sei que muita coisa ainda vem por aí... vocês sabem também... contudo, é só fechar os olhos, respirar fundo e não dar ouvidos ao que esse povo fala. É tudo verdade, mas, e daí?

Felicidades!

sábado, 8 de agosto de 2009

Olha o aviãozinho... [5 de 6]

- Opa, iai como ele está? - tanta confusão estava girando em torno daquele garotinho que eu resolvi tomar informações da fonte.
- Ah, ele está melhor. Só precisa dormir para descansar um pouco, não acha, hein?
- Hum... é... mas, não estou conseguindo pegar no sono...
- Ora, deita aqui um pouco. Deixa eu levantar esse braço da poltrona e você deita a cabeça no meu colo, tá bom?
- Hã... tá.
- É bonito esse seu lado paterno com o garoto. Achei que eram irmãos...
- Haha. Não... fiquei preocupado com ele... não sei por quê...
- Hum...
- Talvez porque eu sabia que abandonariam o garoto com um copo de pepsi e um biscoitinho salgadinho esperando que ele melhorasse.
- Bom... a aeromoça está sendo bem atenciosa... mas... parece que o vôo tem outros problemas também...
- É, eu entendo. Por isso vim aqui cuidar um pouco dele. Acho que já fui um garoto meio abandonado como este aqui.
- Ah, sério? Livraram-se de você doente em um avião também, assim como ele?
- Quase... Eu estava com minha vó no aeroporto. E ela falou que eu estava doente antes de sair de casa. Viajei consciente da minha febre. E tinha água de coco em caixinha na minha mochila para me alimentar.
- Água de coco de caixinha e pepsi com biscoitinho... hum... acho que ele está melhor do que você. Hahaha.
- Sim, mas eu estava apenas com febre e meio enjoado. E não com possibilidade de febre suína! Nem passava pela cabeça das pessoas do avião de me colocar para fora.
- Você acha que...
- Oh sim! Você deveria escutar os comentários lá do fundo! Até a gripe do frango voltou a aparecer!
- Bom... do meu lado tinha uma mulher que queria ir embora... pelo menos... a vida do garoto não corria risco. Já a dela...
- Ah! É aquela que continua brigando com o marido?
- Sim... eu saí de lá para evitar que sobrasse confusão para mim. Ou até mesmo algum tapa.
- Seria interessante! Desviaria o assunto do garoto com gripe suína para o casal barraqueiro!
- Se não fosse o tapa em mim, eu acharia interessante também.
- Não! Seria ótimo! O casal brigando e batendo no filho!
- Que filho? Eu? Não sou filho deles!
- E daí? Ninguém sabe, ou precisa saber disso para comentar o que quiser.
- Hum... Vou voltar a minha poltrona... Assim o garoto pode dormir com mais espaço. Obrigado pela torcida para o tapa em mim.
- Hahaha. Não, você sabe que não estou torcendo para isso. Mas... vai, seria bem engraçado.
- Muito! Lembrarei de rir após o primeiro tapa. Ou você acha que chorar seria mais interessante?
- Rir seria bem interessante, mas muito complexo para as pessoas desse vôo. Contente-se em dar-lhes uma tragédia simples.
- Ah certo! Lembrarei disso também. Falou, então... ha...
- Ed.
- Ed... boa sorte com seu filho doente e melhoras! Para os dois!
- Aprendeu rápido, hein?!

Era uma tarde de domingo do começo das férias de inverno, quando recém chegado da capital um menino se sentou com a turma na varanda-ventilada de uma casa de esquina. Começaram a contar as novidades, sendo que muitas delas não passavam de repetições reinventadas ou histórias criadas para preencher alguns vazios, o tempo era verdadeiramente mais gasto nas gargalhadas do que nas histórias.
Começou a escurecer e as conversas estavam começando a ficar cansativas, quando alguém resolveu inventar uma história com aparência de realidade. A história foi contada com tanta encenação e emoção que se tornou impossivel desconfiar da veracidade da informação: Arlinda estava grávida, ninguém de fora desse grupo pode saber.
Depois de saber da gravidez de Arlinda um dia se passou e apenas quem estava no grupo de domingo sabia de tal gravidez, mas quatro dias depois, Arlinda, fogosa e virgem, estava grávida para boa parte da cidade.
A coitada não sabia como surgiu tal conversa e ficou falada, o menino da capital que estava de paquera com ela desistiu e voltou para passar o que lhe restava de férias nas festas.
Meses depois uma amiga foi ate a casa da suposta gravida e disse como consolo: "amiga, se for mentira mesmo das pessoas sua barriga não vai crescer, assim como não cresceu ate agora, e não vai sair filho nenhum". A menina ficou pensando nisso e se tranquilizou, sabia que não estava grávida, chegou a fazer seis testes de gravidez e todos deram negativo, começou a tentar viver normalmente até que ficasse evidente sua não-gravidez.
Certa feita, perto dos supostos 7 meses de gravidez, Arlinda ficou adoentada, com dores no corpo, ficou internada uma semana, tempo suficiente para ser crucificada como praticante de aborto.
A menina que inventou a gravidez mal soube no que deu a história, parece que se mudou logo depois da confusão. E a menina, Arlinda, não se sabe ao certo, mas parece que casou e não conseguiu ter filhos ainda.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Olha o aviãozinho... [4 de 6]

- Fofinho... fofinho... olha, a tia trouxe a pepsi e um biscoitinho salgadinho para você!
- Hum... ah... obrigado.
- Você é parente dele?
- Não, não. Eu estava sentado ao lado dele lá no fundo. Vim ver como tá a situação, já que ele está viajando sozinho.
- Ele ainda está bem quente... parece que a febre aumentou. Hum... Sérgio, vem cá!
- Você costuma tomar alguma coisa quando fica com febre assim?
- Hum... não. Não sei. Acho que não. Parece que mamãe me dá alguma coisa, mas não lembro. Tem gosto de morango, acho.
- Então, Míriam, alguma novidade aí com o garoto? Parece que estão precisando de você lá no fundo. Acho que teve algum problema no banheiro de lá...
- Ai, jura? Droga! Você pode dar uma olhada nele, parece que a febre aumentou...
- Agora não, tenho que dar uma passada na cabine... e antes ainda tenho que atender esses passageiros aqui na frente, olha a luz ali.
- Podem deixar que fico aqui com ele. Não tem problema, né? Meu assento é lá atrás, mas se eu puder ficar por aqui...
- Não! Problema nenhum! Vai ser ótimo que ele tenha uma companhia. Bom... qualquer coisa é só chamar!
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- Viu, bem? A febre dele aumentou! Deve estar maior que trinta e oito e meio! Só pode ser gripe suína!Ai... vamos embora?
- Tá! Você prefere sair pela porta dianteira ou traseira. Vou lá atrás pegar dois paraquedas enquanto você vai tirando os assentos flutuantes. Isso se a gente cair na água!
- Ai, estúpido! Precisa falar assim comigo? Eu estou pensando na nossa saúde, sabia? Estou preocupada com a sua vida também!
- Amor... eu sei, mas...
- Não! Porque comigo você fala assim, é cheio de ironia, adora fazer suas piadinhas. E para as nossas vizinhas lá do prédio, você também é assim?
- Amor... isso não tem nada a ver! Eu nem...
- Ah! Claro! Com elas você é cheio de gracinha, não é? Todo engraçadinho!
- Mas quem disse isso? Eu nem...
- EU vi! Eu vejo todo dia como você fica falando com elas! Bando de sirigaitas pistoleiras!
- Precisam de alguma coisa?
- Opa, é... um copo d'água, por favor, para minha mulher... ela precisa se acalmar!
- Ah! Agora preciso me acalmar, não é? Cara-de-pau!
- O senhor também gostaria de um copo d'água?
- Não, obrigado.
- Não quer um copo d'água para se acalmar também, querido? Ah! Esqueci! Você só fica calminho com as suas amiguinhas do prédio. Comigo é só estresse e grito! Eu não quero porcaria de água nenhuma. Queria uma droga de máscara para proteger a minha vida e a merda da sua também!

Achei que faltavam poucos minutos para aquela confusão escapar para mim. O comissário parecia que logo iria apanhar da mulher. Eu tive que dar um jeito de sair.

- Pode me dar licença, por favor? Eu preciso me levantar um pouco.
- Quer um copo d'água também, senhor?
- Não, obrigado. gostaria só de andar um pouco.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Olha o aviãozinho... [3 de 6]

- Como deixaram a criança embarcar assim? Vai saber lá o que ela pode ter! E se for...
- Gripe A, sim, pode ser. É o que todos estão comentando lá no fundo. Eu estava sentado com ele lá atrás e toda hora que ele espirrava as pessoas olhavam espantadas. Algumas até se benziam!- este eu não sabia quem era, parecia ser da minha idade, um pouco mais alto.
- E como você sabe que não é?
- Bom, ele não está com tosse. Só está com febre, não sente dores... sei lá, não sou médico, prefiro acreditar que ele não esteja com a gripe A.
- Assim é fácil, né? Todo mundo imagina que ele não tá doente e aí ninguém pega nada... Para quê máscaras e toda essa preocupação, não é, bem? É só imaginar que existe uma barreira invisível que está te protegendo e pronto. Ai ai, é cada uma que aparece...
- Mas amor, se o garoto estiver mesmo com alguma coisa, todos aqui já estão contaminados. Então... é melhor torcer, pelo menos, para que ele não tenha nada grave, como gripe suína.
- É...
- Achei que trariam o garoto aqui pra frente, onde deixaram ele?
- Hum, ele está ali na primeira fileira. A aeromoça está cuidando dele. - resolvi contribuir um pouco com o diálogo.
- Vou lá dar uma olhada! Valeu!
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- Ah! Agora é a minha vez de sentar do lado da mãe!
- Não! Eu que vou ficar do lado dela!
- Ah não! Do lado da mãe eu não saio... né, mãe?
- Mãe, senta no meio! Aí eu também posso ficar do seu lado.
- Não! Fiquem os dois aí perto da janela. Olha a janela! Olha lá embaixo tudo pequeno! Olha o céu como tá de pertinho, olha!
- Ah mãe... tá tudo escuro e nublado ainda. Não tem nem estrela no céu...
- Eu não vou sentar no meio! Nenhum de vocês vai ficar no corredor!
- Eu não vou sair do lado da mãe!
- Mãe, mãe! Por favor, mãe!
- Não! Fica quieto menino! Se não quiser apanhar fica olhando pra essa janela quietinho ou vai dormir. Faz qualquer coisa calado e deixa a mãe um pouquinho em paz que ela tá nervosa, tá bom?
- EU vou ficar do seu lado, né, mãe?
- É... se você continuar perturbando seu irmão você vai sentado ali na asa, tá vendo?
- Não, mãe! Eu tô quieto, ó!
- Porcaria de janela... queria ir do lado da mãe... ah! deixa eu sentar um pouco aí agora, vai?
- Quietos! Os dois, agora! Deixem a mamãe dormir um pouco! Ou quando a gente chegar na casa do papai não vai ter presente nenhum para ninguém!
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- Eu deveria ter escutado a sua irmã e comprado as máscaras... estaria mais segura agora...
- Ai amor... deixa de drama! Você só ia passar vergonha! Está vendo alguém de máscara?
- Não! Mas eu estou vendo um avião completamente infectado. Não só vendo, estou dentro desse avião!
- Ele não deve estar com gripe A... não escutei nenhuma tosse. Acho que estamos seguros, dessa gripe, pelo menos. - não deveria ser a gripe suína, eu achava que não e queria continuar acreditando assim.
- É, amor! Tenta relaxar um pouco... a aeromoça está vindo aí. Vou pedir um pouco de água para você se acalmar um pouco, tá bom?
- Tá... amor?
- Hum?
- Vê se eles não tem uma máscara também?