domingo, 25 de outubro de 2009

Carona

não falou nada
os olhos gritaram
sim, eu ouvi

a voz era engraçada
o olhar, uma carona
mas, eu não sabia falar o caminho
e a boca fechou


- Pode deixar, eu levo você! - disse o abraço.

- Para onde? - perguntaram minhas bochechas vermelhas.

- Hum... não sei... conheço bem pouco... você pode ser o guia? - perguntaram os olhos ansiosos.

- Olha... eu nem sei bem para onde ir. Meio complicado levar você a algum lugar... - responderam minhas mãos escondendo-se em meus bolsos. Meus pés dando pequenos passos para trás completaram:

- Acho que vou ficar por aqui mesmo...

- Não! - seus olhos gritaram e os pés calados deram passos desajeitados para frente, pedindo-me para não fugir.

- Tudo bem. Não vou fugir de você, então. - responderam minhas mãos saindo do bolso. E meu sorriso torto novamente queria saber para onde íamos.

Suas mãos agitadas moveram-se muito rápido enquanto tentaram dizer confusamente que poderíamos fazer várias coisas. Eu não entendi nada, mas achei divertido e minhas mãos em seus braços tentaram acalmá-la. Seu rosto levemente corado insistiu que era uma boba e meus olhos hipnotizados rebateram dizendo que ela era linda.

Alguns pequenos passos para perto dela foram responsáveis pelo meu silêncio e minhas mãos escorregando até apertar todos os seus dedos juntos não sabiam mais nada.

- Vamos? - perguntou seu sorriso sem graça quase querendo se esconder.

E nenhuma parte do meu corpo conseguiu dizer não.


seguimos por esta estrada

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um Quarto de Quinquilharias

No saguão principal da rodoviária um menino quase-sozinho inquieta-se com o arrastar do tempo, que tantas outras horas correra, fugira, dissipara. Estava muito nervoso, o sol ameaçava nascer, temia uma insônia, um pesadelo ou qualquer acontecimento que tirasse sua mãe da cama e a levasse até o bilhete deixado na geladeira com os dizeres (muito bem escolhidos e repensados):

"Vou viajar, tudo me sufoca e estou começando a me satisfazer com algumas canções. Não é fazendo pouco caso das canções, eu apenas nunca esperei resolver meus problemas com uma música, estou afogando, naufragando em velharias, brinquedos quebrados e sentimentos quaisquer. Não sou um quarto de quinquilharias, e se sou, não quero mais ser. Isso me sufoca diariamente, e me cega. Não sei o que me deixa sem ar, o que me deixa sem sentido, mas agora já não me importa saber a causa, procuro apenas a solução, não consigo mais ser completo. Sei que meu coração nunca será maior que o mundo, ele se limita em mim, no espaço que sobra no meu corpo, mas sei que ele ainda pode crescer, tenho um pouco de espaço livre, buscarei dar mais e mais espaço a ele, preciso de ar, muito ar. Com um sorriso triste agradeço tudo que fez, que faz, que planejou fazer por mim. Eu não estou chorando, da mesma forma que você não deve chorar, fico triste, fico alegre, nunca consegui chegar a uma ideia sólida quando se trata de relacionamentos, acho que amo você. Eu achei que conseguiria dizer tudo em um bilhete de recado e aqui estou eu no terceiro bilhete e com letras cada vez mais miúdas. Sinto saudade das coisas que nunca tentamos ser, sei que sentirei saudade de muitas coisas que nunca aconteceram. Porque nossa mente nos prega tantas peças? Tenho pressa, sinto pela rima, sinto mesmo, mas preciso ir.
Se alimente bem, cuide bem das pessoas."

O ônibus chegou e os olhos do garoto nadaram em águas salgadas, sentiu uma dor no peito, por um instante quis que sua mãe tivesse aparecido com um sermão pronto e com uma força incontrolável no pulso, suficiente para arrastá-lo para casa. Seu coração era uma máquina de escrever. E foi, com medo, buscar alegrias que rompessem o limite do "suficiente".

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Sardas

Era uma vez um garoto, não muito diferente dos demais e nem muito parecido com os de menos, era de estatura mediana, peso mediano, sorriso mediano, cabelo mediano, e notas medianas. Me disseram que ele tinha espinhas, mas seria muito mediano, então prefiro acreditar que ele tinha apenas sardas, belas sardas que se debruçavam no centro de seu rosto, uma borboleta em equilíbrio. Um dia escreveu uma carta para a mãe, que de tão pequena parecia um bilhete: "Mãe, se eu fosse um rascunho o que mudaria em mim? Mãe? Responde". A mãe queria tirar suas sardas, a vida do garoto era frequentar dermatologistas, que segundo as más línguas faziam ela lembrar do ex-marido que a abandonou grávida, mas a justificativa era outra: "Manchas na pele nunca são um bom sinal, nunca! É bom tirar logo".

O garoto via comumente no espelho milhares de defeitos e a única "coisa" em seu corpo que o deixava feliz era alvo da perseguição materna, perseguição essa que nunca permitiu ao pequeno receber uma resposta de uma carta-bilhete tão bem elaborada, letras de imprensa e cor sóbria não foram suficientes para forçar uma reposta-parto. As sardas faziam com que o garoto sentisse que havia algo de humano ali, no espelho, algo que o deixava mais próximo das outras pessoas: dos sardentos. Procurava um pai em cada sarda, fosse ela de uma criança, de uma moça ou de um idoso. Todas as sardas juntas formavam seu pai, em sua mente, seu pai estava diluído em uma porção de pessoas dispersas, era assim que o jovem superava suas características medianas, a falta de um pai e as visitas frequentes aos mais distintos dermatologistas. "Não tem como tirar, é muito grande", "Se tirar vai ficar com algumas cicatrizes", "É melhor apenas acompanhar com exames periodicamente", "Não precisa tirar, só precisa fazer um exame e se não der nada de ruim, pronto", e mais e mais palavras, frases, pontos, vírgulas, até que o garoto passou a não ouvir os médicos, certo de que seria apenas mais um, haveria sempre "vamos só em mais um e pronto".

Um dia sentou na mesa ao jantar e disse: "mãe, quero falar com você, sério de verdade", a mãe distraída responde "pode falar filho, estou ouvindo", ele continua "mãe, eu gosto de minhas sardas, elas me lembram do pai que não tenho, elas ficam bonitas de manhã cedo, não quero trocá-las por algumas cicatrizes, não quero sofrer nenhum acidente" e chorou, como um adulto que compreende a perda de um ente querido, como quem sabe que só aquele choro poderia salvá-lo, poderia deixá-lo inteiro, poderia deixá-lo permanecer com sardas. Chorou até receber um bilhete "Eu mudaria suas lágrimas, mudaria em sorrisos, apenas isso".

domingo, 4 de outubro de 2009

mais uma moça

A menina redonda do vestido listrado veio me pedir um beijo. Eu respondi olhando para seus olhos enervados com firmeza "Menina do vestido listrado, beijo não se pede, deixe de ofensas". A menina fez cara de quem não entendeu, redonda, corando as 5 espinhas que enfeitavam seu rosto, pareceu ser de outra espécie. Ficou muda. Me irritei e disse "Aquiete-se com essas ofensas", beijei-a, sem vontade, tive medo de machucar alguma das espinhas, depois temi machucá-la por inteira, terminei o beijo. Estranhamente ela continuou com os olhos fechados por mais 2 minutos, eu pedi para que acordasse e ela me veio com aquela frase "não estou sonhando?", pensei em responder mas preferi ofendê-la com silêncio. Sou baixo, rasteiro, desconto na mesma medida. Me afastei um pouco para que ela não tentasse um segundo beijo, ela falou de meus olhos e de meu cabelo enquanto eu bocejava, fingi que estava atrasado para a missa e ela corou como quem se apaixona em lua cheia. Suspirei de cansaço e ela confundiu com suspiros de amor, a situação pesava e ela soltou mais alguns elogios sem fundamentos, então eu findei a conversa "às vezes é melhor não falar, minto... às vezes não é melhor não falar, às vezes é melhor falar. normalmente é melhor ficar quieto." ela achou que eu falava de amor, eu não aguentei a situação, fui embora.

Voltei no outro dia e ela me esperava, fingindo esperar a prima, na porta do escritório, estagiávamos juntos. Entrou ao meu lado resmungando o atraso da prima, fingi que acreditei e ela ficou aborrecida com a minha lerdeza. O dia se arrastou e no fim tive que me sacrificar antes que ela me matasse, acabei beijando a recepcionista enquanto ela bebia água na sala de espera.

Bololo

Já falei que não posso
Quando disse que não devo. Deveriam ter acreditado...

Por que veio então? Esse papinho não cola.
Agora estamos todos juntos nessa!

Acha que é só você?
Eu também não deveria... mas...

Sabem que podem confiar em mim, não é?
Somos amigos desde sempre! Isso não vai sair daqui, certo?

Estou arrependido... por que fizemos isso?
Não quero mais! Vou embora! Opa!

Parem com isso! Quem correr levará todos nós juntos!
Relaxem. Ninguém nunca vai saber de nada...


sábado, 3 de outubro de 2009

a felizarda

Maria da boca vermelha, a desfilar palavreados sem sentido, coisas que não faziam sentido para qualquer cidadão, nem para sua própria boca febril. Descia pelos morros, sem reparar nas horas, o Sol era seu único referencial, e mesmo assim, ela pouco dava atenção a ele.

Ela tinha sangue a mais de 40ºc nas ancas, e suas coxas, reluzentes como seu sorriso (imperceptível), pulsavam disfarçadamente. As pessoas costumavam reparar nela, mesmo sem interesse algum de se aproximar, apenas por olhar, mas seria pecado demais sentir o cheiro de sua pele queimando por baixo de seus panos baratos.

Era toda média, medida, toda disfarçada. Não fazia questão de disfarçar, por vezes tentava demonstrar, coisas que nem ela sabia. Descobriu-se por fim, estava andando em círculos desde que tinha consciência, ficou inconsciente por algum intervalo de tempo, o suficiente para o Sol esfriar e dar lugar a alguma coisa sem luz própria. Deparou-se em um lugar muito branco, muito limpo, o cheiro era desconhecido, mas seu pano barato estava com algumas manchas de sangue. Chorou por um tempo, como de lá não se via o Sol, não se sabe o quanto chorou, sabia que havia chorado, apenas. Não sabia andar mais, nunca gostou de escândalo, preferia chorar quando não havia muito o que se fazer. Achou estar no céu, assim deduziu com certa facilidade.

Acorda com a cara marcada de asfalto, estava na rua, sente um gosto de planta, havia uma flor branca na sua boca, com o caule firme e frágil, lutando para permanecer com a raiz entre concretos. Pensou, muito que rapidamente, em cuspir e se livrar daquela situação, se lembrou que era uma flor, não era uma pedra, resolveu pôr para fora com a língua, delicadamente, para não machucar a simples elegância. Ouviu conscientemente o roçar da língua nos lábios secos e na flor macia, seca. sentiu que iria ficar surda com tanto barulho, mexeu os braços em posição de flexão e se livrou da dor de ter o poder de matar tão íntegra espécie. Seu pano de cobrir o corpo estava com os mesmos borrões vermelhos que havia notado no local onde chorara, suspeitou que estava reencarnando, suspirou. Cuidadosamente percorreu com as mãos, sujas de terra, boa parte de seu corpo, agora acinzentado, limpou-o como pôde, não levantou a cabeça, não abaixou a cabeça, andou pensando nos seus pensamentos.
Decidiu uma coisa: não iria se casar. Conhecia o bastante a si mesma para saber no que daria um casamento, tal pensamento a tranqüilizou, mais suspiros do batom borrado, não sabia o que era relógio, a felizarda.