domingo, 27 de dezembro de 2009

O vento na nuca lhe aliviava o cansaço, o ardor na pele, a fraqueza dos ossos. O vento declarava a passagem das estações e com elas o tempo ia. O vento parou e um moço se acomodou ao seu lado, parecendo pluma, parecendo pedra.
O silêncio logo se firmou, não havia folha, cascalho ou areia em movimento. O silêncio era quebrado, apenas, pela respiração. O silêncio que tanto incomodava logo consagrou a cumplicidade, agora eram cúmplices do desconhecido, cúmplices que nem sabiam se olhar.
O tempo passava e nenhum gesto era feito. O tempo escorria enquanto os olhos tinham medo de enxergar. O tempo parava, corria, dançava, fazia de um tudo enquanto os corpos continuavam estáticos, em sincronia de não-movimento.
A eternidade se firmou em alguns minutos. A eternidade é falha, é gasto, é dissipação. A eternidade é um golpe, ilusão.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

busco no coração
um frio que não conheço
soltar minha mão da tua
sair desde compasso egoísta

os passos tropeçados
meus joelhos esfolados
acompanham teu silêncio
sem alcançar teus olhos.

me destes um espaço sombrio
trancado no quarto da tristeza
reservado às noites de melancolia
sem direito ao que é feliz

nesse quarto que nunca entraste
falas pela fresta da porta
para que eu sinta sua respiração
mas não te enxergue vivo

me fizeste teu prisioneiro
fazendo me sentir invasor
com meus olhos um pouco cegos
de um certo resto de amor

já não tens mais forças
para essa porta fechada que pesa
mais do que podem segurar
teus braços agora cansados

saio em silêncio
pela fresta das suas palavras de perdão.
mas ainda não percebestes
que o quarto agora está vazio.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Renata

Renata me disse que iria viajar, mas a encontro em todos os lugares, até nos cochilos pós-almoço. Encontro-a na sala de estar, no banheiro, no quintal regando os cactos, na cozinha preparando o café. Renata me disse que ficaria longe de mim, que correria, que nunca mais iria me ver, mas a vejo em todo amanhecer e entardecer, a vejo deitada no meu quarto enquanto leio folhetins.
Ela, que tanta coisa me disse, agora tudo descumpre. E me odiava, me repudiava, sentia ânsia de minha pele, e me amava, me ama devotamente, porque se não amasse eu não poderia amá-la como amo, Renata.
Toda distância, todo concreto, toda palavra, todo gesto, nos aproxima, nos empurra, nos move em função unicamente de nós mesmos. Mas hoje, Renata, o tempo é muito, o peito é pouco. Hoje, Renata, o frio me abraçou enquanto você estava longe da cama, acreditei que você tivesse de fato viajado, acreditei em Deus, em paz, em Terra. Parece que hoje tudo desmorona sem você, sem sustento, assim como qualquer construção desaba sem suporte. Do sólido olhar sobraram vultos, que na verdade não sei se são seus, se são restos de outras pessoas, ou se são as sombras dos lençóis.
Renata me disse muita coisa, e agora tudo se confunde em frases ditas e conclusões precipitadas, a verdade costuma me enganar, sorrateiramente ela me cega para que eu não saiba distinguir o que acontece do que eu penso, me protejo. Meus sonhos acabam se solidificando em fatos, e os fatos escorrem e se escondem em poças.
Agora não sei se Renata é apenas um epitáfio sem criatividade ou a moça que dorme na minha cama. Renata deveria me dar um banho de café fervendo. Renata deveria me acordar.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Olha aqui...

Seus olhos preferem minhas mentiras
E eles acostumaram-se a ser doentios para mim
Péssima idéia para prender-me em qualquer compaixão
Eu não tenho mais tempo para mentir
Ou paciência para embrulhar meus olhos em lágrimas

Eles estão queimando novamente.
Um brilho intenso que não consigo disfarçar
Essa luz incomoda seus olhos cansados, eu sei
Mas, eu não vou chorar por você
Apenas para torná-la mais suave
Só iria iludir seus olhos, acredite!
E eu nem estarei mais aqui
quando eles voltarem a abrir

-Achei que você já tinha se livrado de tudo...
- Não, eu guardei este bilhete, porque achei que estivesse incompleto.
- Como assim? Para mim parece...
-A segunda parte eu escrevi hoje pela manhã
- Então você...
-Precisava encontrar outros olhos para terminar a carta.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Hoje eu não quero dormir


As horas dizem que o dia já terminou, mas eu ainda não fechei os olhos. Quero prolongar e sentir cada minuto do dia, mesmo já sendo amanhã. Quando dormir, hoje será meu sonho.

E vai ser difícil acordar amanhã sonhando hoje.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

sobre idéias idiotas


- Nada. Esqueça.
- Hum... por um momento achei que você faria alguma coisa diferente de perguntar e traria alguma resposta. Esperei demais, não é?
- É... esperou... esquece! Foi uma idéia idiota.
- Ora, não fique assim emburrada. Todos temos idéias idiotas. Fiquei preso em uma durante meses! Pelo menos você libertou-se em menos de cinco minutos.
- E fiquei presa em tão pouco tempo...
- Essa caminhada não está fazendo bem para você. Veja, não está mais falando coisa com coisa e ainda está atrapalhando minha cabeça. Já tem sua história. Tudo acabou naquela casa e agora eu preciso de paz. Não consigo descansar enquanto estou preocupado com você.
- A casa não foi um fim...
- Acha que ela ainda volta?
- Não. Você parece decidido.
- Ótimo. Este é um bom fim. Acrescente mais algumas idéias para deixar a história mais... bonita. E pronto.
- Acrescentar algumas de minhas idéias idiotas?
- Oh! Pare com isso. E idéias idiotas podem ser bem interessantes ou divertidas. Vamos, fale-me sobre suas idéias.
- Penso em um novo começo, talvez.
-Um novo começo? Agora? Realmente é uma idéia bem idiota!
- É... eu sei... foi uma idéia idiota que deveria ter permanecido comigo apenas.
- Mas...
- ... ?
- Não deixa de ser tentadora também...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Penso tanto tempo que... tentei




Pensei que poderia continuar
Nada demais, talvez apenas seguir
Pensava que era só querer falar
Mas, eu não conseguia sorrir

Penso, penso, penso, penso
Caminho para o que acho que vejo
Ilusões combinam com seu senso
Apenas criação de um falso desejo

...

- Entendo, entendo... você precisa descansar um pouco agora.
- Não vamos chegar nunca se continuarmos assim.
- Se eu deixar você seguir desse jeito...
- O que faz aqui ainda? Já não tem uma boa história?
- Não sei o que fazer sozinha com isso.
- Bom... eu não quero mais essa história.
- Não sei o que fazer sozinha...
- E eu não sei o que fazer com você...

...

- Eu tenho uma idéia...
- Hã?


quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Fim

PM 06:45

- Você vai ficar aí apenas...
- Olhando. Sim.
- Eu não me sinto confortável!
- Foi o combinado, não?
- Sim, foi... mas... não era bem o que eu queria! Você sabe que...
- Não, eu não sei. Nunca soube e não...
- O quê? Você quer me ver gritar que eu...
- E não vai adiantar nada agora.
- Por quê? Como você não consegue perceber que estou completamente...
- Perdendo seu tempo. Tenho apenas mais cinco minutos.
- Vai embora, então! Deixe-me em paz, pelo menos!
- Eu já fui. Você chamou novamente. Combinamos tudo. E agora temos mais três minutos.
- Vai logo! Não precisa ficar! Vai!
- Calma.. logo, logo... eu ainda não acabei.
- O que está fazendo?
- Olhando. Lembrando... saindo...
- Não entendo. Estou aqui! Eu amo você! Por que não acredita em mim? O que eu tenho que fazer para...
- Você já fez.
- Hã?
- Tenho que ir... fica bem... não faz besteira!
- Espera! Você não pode sair sem me dizer se...
- Acabou.