domingo, 8 de novembro de 2009

Sonho da Menina-do-sol

-Você sabe sapatear?
-Sempre quis aprender.

Logo ele se apaixonou, ela sabia responder, sabia sim, ela sabia o que responder, parecia que tinha calculado cada letra, teria ela uma fórmula para boas-respostas? Ele ficou confuso e respondeu para si mesmo que não, não havia fórmula. Via que a pele dela transpirava frescor, assim como suas palavras. Seria impossível ela ter planejado algo.

-Então se apoie aqui.

Ela se apoiou no ombro dele e segurou sua mão, uma daquelas posições impossíveis de se imaginar quando se descreve, e começaram a dar "saltinhos", acompanhados de tombos e quedas. O vestido da moça-dos-olhos-de-céu, que estava em perfeita sintonia-de-cor com os brincos de pérola, ficava cada vez mais sujo, mais e mais sujo.

-Você está me sujando toda! Riu ela em tom de exclamação.
-Estou lhe ensinando a sapatear, senhorita. Respondeu ele rapidamente, para não dar tempo de qualquer outra reclamação.

Seguiram bailando, sapateando, caindo, entre piruetas e pulos e tombos. Depois de ter perdido a formalidade de um vestido perolado bem cintado a senhorita dos cabelos-de-sol começou a tropeçar na própria risada, um riso leve e azul, como o céu, como seus olhos, que a deixava desnorteada.

-Sobe aqui, vamos! Você precisa aprender a sapatear com equilíbrio!
-Não, não vou arriscar cair na fonte. Olha como estou, meu vestido!
-Não vai cair na fonte, se bem que a água da fonte está mais limpa do que o seu vestido. Confessou o rapaz sorrindo com os olhos. Sobe, senhorita!
-Hum. Não vou não. Respondeu a senhorita franzindo a testa.

O rapaz ficou calado olhando para os olhos dela, concentrando naquele mundo azul. A senhorita fez uma careta engraçada e pulou, se equilibrou, e começou a sapatear na borda da fonte. Parecia que sempre soubera sapatear, a adrenalina queimando em suas veias e uma bela dança surgia, até que por engano as pernas se embaraçam e pluft!

-Eu disse que ia cair! Eu disse! Ela gritava entre gargalhadas e olhos semi-cerrados.
-Tudo bem, estou chegando. E logo ele pulou segurando o nariz.

Ficaram dançando na fonte, com toda a elegância molhada e os sorrisos intactos.

-Não podem ficar ai! Gritou um homem fardado.

Continuaram dançando, não ouviam nada.

-Prrrrrr! Saiam já da fonte!
-Está falando conosco? Respondeu o moço com os olhos ainda fechados.
-Tem mais algum casal de loucos nessa fonte?
-Mas Sr. Policial, só estamos...
-Não quero conversa, estou aqui para cumprir ordens, conversem o que tiverem que conversar com o delegado.
-Mas Sr. só estamos... O que é isso?
-Está tentando me enganar mocinha?
-Não, tem algo branco saindo de seu bolso!
-O nome disso é lenço. Saiam daí, não quero me molhar também!
-Não, eu sei o que é um lenço. Disse a moça fazendo um bico. Isso é...
-Uma flor! Uma flor? É, uma flor. Mas... uma flor? Uma flor... O moço ficou se indagando e respondendo, como em um monólogo eterno.
-O que? Uma flor? O policial continuou a indagação olhando para seu bolso, mas sem confirmações.
-É, uma flor. Disse a moça. Uma flor que tem o talo vermelho. Vermelho? Como...
-Não é o talo, é uma veia! Disse o rapaz em êxtase.
-Meu Deus! A flor não está saindo do meu bolso, está saindo do meu coração. E vocês dois, não se atrevam a fugir.

Quando o policial foi pegar as algemas, viu que tinham desaparecido, e no seu lugar havia apenas um livro de poesia, compacto e infinito. O rapaz e a moça saíram da fonte e suas roupas agora estavam limpas, contudo encharcadas, saíram dançando, agora banhados pelo restinho de sol que aquecia levemente seus trajes e suas peles. Não sabiam nomes, assim como não sabiam onde estavam, sabiam que havia uma flor, água, céu e muito espaço para continuar sapateando, dançando na chuva que estava prestes a cair.

Um comentário: