domingo, 20 de dezembro de 2009

Renata

Renata me disse que iria viajar, mas a encontro em todos os lugares, até nos cochilos pós-almoço. Encontro-a na sala de estar, no banheiro, no quintal regando os cactos, na cozinha preparando o café. Renata me disse que ficaria longe de mim, que correria, que nunca mais iria me ver, mas a vejo em todo amanhecer e entardecer, a vejo deitada no meu quarto enquanto leio folhetins.
Ela, que tanta coisa me disse, agora tudo descumpre. E me odiava, me repudiava, sentia ânsia de minha pele, e me amava, me ama devotamente, porque se não amasse eu não poderia amá-la como amo, Renata.
Toda distância, todo concreto, toda palavra, todo gesto, nos aproxima, nos empurra, nos move em função unicamente de nós mesmos. Mas hoje, Renata, o tempo é muito, o peito é pouco. Hoje, Renata, o frio me abraçou enquanto você estava longe da cama, acreditei que você tivesse de fato viajado, acreditei em Deus, em paz, em Terra. Parece que hoje tudo desmorona sem você, sem sustento, assim como qualquer construção desaba sem suporte. Do sólido olhar sobraram vultos, que na verdade não sei se são seus, se são restos de outras pessoas, ou se são as sombras dos lençóis.
Renata me disse muita coisa, e agora tudo se confunde em frases ditas e conclusões precipitadas, a verdade costuma me enganar, sorrateiramente ela me cega para que eu não saiba distinguir o que acontece do que eu penso, me protejo. Meus sonhos acabam se solidificando em fatos, e os fatos escorrem e se escondem em poças.
Agora não sei se Renata é apenas um epitáfio sem criatividade ou a moça que dorme na minha cama. Renata deveria me dar um banho de café fervendo. Renata deveria me acordar.

3 comentários:

  1. É a segunda vez que passo por aqui e o segundo texto que leio, então resolvi comentar. x) Gostei deveras da iniciativa de vocês, e de dois lidos ambos apreciados. Eu adoro ler/escrever e amei o design do blog, então é provável que me vejam mais por aqui rs. Belo conto.

    Jess.

    ResponderExcluir