segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Fogaréu


Ela me esperava com o cigarro aceso em mãos, olhos vidrados, a partir de seus olhos eu pude ver que era sim, eu mesmo, o composto químico que lhe fazia revirar o (seu) mundo. Havia um equilíbrio em tudo que lhe penetrava: fumaça, álcool, inseticida, feijão, agulha, olhares. Era como se soubesse dosar cada gota, cada grama do que se aproximava, e, sem fugir, sorria com todos os dentes que um sorriso exige. Não consigo entender, o porquê - Por que Senhor?, diante de tantas e tantas substâncias, compostos, a farmacologia não está avançada como nas reportagens? Muita escuridão toma conta de um momento em que há apenas fumaça. O cigarro queima lentamente, a fumaça toma conta de suas expressões, não imaginava vê-la vestida assim, nua. O cigarro enfim termina, começa então a queimar os dedos, sua pele estava sempre marcada. Ela parece não saber, mas o amor sempre começa falho, gasto, vê-se sempre ele se despedaçando, se tornando acomodação, crença, um almoço de domingo. Está tudo tão escuro, não é possível que ela não perceba o quão fundo estamos indo, ela parada, eu andando. Queria que ela soubesse que eu gostaria de estar sentado ali, em seu lugar, queimando todos os milímetros de minha pele, gostaria que ela tivesse esse meu azar de ver as coisas por um plástico transparente, e confesso que um pouco fosco também, com o risco iminente de queima, de fogo, de lesões irreparáveis. Sua mão suavemente se agita, vejo riscos vermelhos no ar, são suas unhas dançando, caçando vento, curando mais uma queimadura, mas ela já está marcada, continuo andando, ainda muito lentamente, como quem procura um lugar adequado, julgando iluminação, ventilação, visibilidade, acesso, restrições. Mas qualquer pessoa pode ver em meus passos que estou indo para qualquer lugar, meus pés não estão firmes, os passos são esporádicos, meus olhos mal procuram algo. Me sento, ainda vejo seus dedos em brasa, seus olhar fixo na cadeira vazia em sua frente, um personagem mal sucedido de um drama de Hollywood, uma atriz sem roteiro, sem fala, sem instrução. Gostaria que ela soubesse que aquele era um personagem, mas há muita realidade para falar sobre encenações. Meu corpo doía de leve, como em presságio. Seria impossível resistir a ela, isso era claro, seria impossível não reparar em olhos tão nus, me levantei, sem mais encenação apressei o passo com olhos em lágrimas.


foto por: flickr.com/sampaiorodrigo

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