sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ligações (parte 2)


Dias depois, exatamente quatro, o velho telefone vermelho fazia dois barulhos que se mesclavam: o som que o próprio foi feito para alertar uma chamada e o som de um aparelho velho que se bate todo por falta de ajuste ou por sobra de tempo. as taças e garrafas, vazias, começavam a ficar ameaçadas pelo telefone cor-de-sangue, até que a moça com a maquiagem gasta resolve dar atenção ao único objeto-de-cor da casa, atende em silêncio:

_alô.
_hum.
_Iolanda?
_fala logo, você tem pouco tempo.
_não faz assim, não...
_hum...
_para que tanta festa? tanto drama? só por um atraso? não é possível. você tem outra pessoa? o que está acontecendo? você está usando um atraso bobo como desculpa para qualquer outra coisa.
_era só isso que tinha a dizer?
_só isso? só isso? eu amo.

Iolanda puxou o fio do telefone, arrancando-o da tomada, mas permaneceu com o aparelho colado ao rosto, como se fizesse parte dela. não tinha muita consciência, uma face sem expressão, e assim permaneceu por um tempo, até derrubar duas taças e dormir perto dos cacos.

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