Era uma vez um garoto, não muito diferente dos demais e nem muito parecido com os de menos, era de estatura mediana, peso mediano, sorriso mediano, cabelo mediano, e notas medianas. Me disseram que ele tinha espinhas, mas seria muito mediano, então prefiro acreditar que ele tinha apenas sardas, belas sardas que se debruçavam no centro de seu rosto, uma borboleta em equilíbrio. Um dia escreveu uma carta para a mãe, que de tão pequena parecia um bilhete: "Mãe, se eu fosse um rascunho o que mudaria em mim? Mãe? Responde". A mãe queria tirar suas sardas, a vida do garoto era frequentar dermatologistas, que segundo as más línguas faziam ela lembrar do ex-marido que a abandonou grávida, mas a justificativa era outra: "Manchas na pele nunca são um bom sinal, nunca! É bom tirar logo".
O garoto via comumente no espelho milhares de defeitos e a única "coisa" em seu corpo que o deixava feliz era alvo da perseguição materna, perseguição essa que nunca permitiu ao pequeno receber uma resposta de uma carta-bilhete tão bem elaborada, letras de imprensa e cor sóbria não foram suficientes para forçar uma reposta-parto. As sardas faziam com que o garoto sentisse que havia algo de humano ali, no espelho, algo que o deixava mais próximo das outras pessoas: dos sardentos. Procurava um pai em cada sarda, fosse ela de uma criança, de uma moça ou de um idoso. Todas as sardas juntas formavam seu pai, em sua mente, seu pai estava diluído em uma porção de pessoas dispersas, era assim que o jovem superava suas características medianas, a falta de um pai e as visitas frequentes aos mais distintos dermatologistas. "Não tem como tirar, é muito grande", "Se tirar vai ficar com algumas cicatrizes", "É melhor apenas acompanhar com exames periodicamente", "Não precisa tirar, só precisa fazer um exame e se não der nada de ruim, pronto", e mais e mais palavras, frases, pontos, vírgulas, até que o garoto passou a não ouvir os médicos, certo de que seria apenas mais um, haveria sempre "vamos só em mais um e pronto".
Um dia sentou na mesa ao jantar e disse: "mãe, quero falar com você, sério de verdade", a mãe distraída responde "pode falar filho, estou ouvindo", ele continua "mãe, eu gosto de minhas sardas, elas me lembram do pai que não tenho, elas ficam bonitas de manhã cedo, não quero trocá-las por algumas cicatrizes, não quero sofrer nenhum acidente" e chorou, como um adulto que compreende a perda de um ente querido, como quem sabe que só aquele choro poderia salvá-lo, poderia deixá-lo inteiro, poderia deixá-lo permanecer com sardas. Chorou até receber um bilhete "Eu mudaria suas lágrimas, mudaria em sorrisos, apenas isso".
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eu não tenho sardas, mas também gosto delas.
ResponderExcluireu também não tenho Fernanda, mas assim como você gosto delas, gosto bastante até :)
ResponderExcluirnossa que lindo!! adorei a história. Não precisa tirar não, além da identidade dele é um charme a mais, mesmo que lembre o pai...
ResponderExcluirtambém não tenho sardas, mas como disseram ai encima é um charme a mais, gostei do seu blog, estou te seguindo :D
ResponderExcluirooh, o charme inegável das sardas :)
ResponderExcluirooh eu tenho sardas \o/
ResponderExcluirAIUSHAIH