Maria da boca vermelha, a desfilar palavreados sem sentido, coisas que não faziam sentido para qualquer cidadão, nem para sua própria boca febril. Descia pelos morros, sem reparar nas horas, o Sol era seu único referencial, e mesmo assim, ela pouco dava atenção a ele.
Ela tinha sangue a mais de 40ºc nas ancas, e suas coxas, reluzentes como seu sorriso (imperceptível), pulsavam disfarçadamente. As pessoas costumavam reparar nela, mesmo sem interesse algum de se aproximar, apenas por olhar, mas seria pecado demais sentir o cheiro de sua pele queimando por baixo de seus panos baratos.
Era toda média, medida, toda disfarçada. Não fazia questão de disfarçar, por vezes tentava demonstrar, coisas que nem ela sabia. Descobriu-se por fim, estava andando em círculos desde que tinha consciência, ficou inconsciente por algum intervalo de tempo, o suficiente para o Sol esfriar e dar lugar a alguma coisa sem luz própria. Deparou-se em um lugar muito branco, muito limpo, o cheiro era desconhecido, mas seu pano barato estava com algumas manchas de sangue. Chorou por um tempo, como de lá não se via o Sol, não se sabe o quanto chorou, sabia que havia chorado, apenas. Não sabia andar mais, nunca gostou de escândalo, preferia chorar quando não havia muito o que se fazer. Achou estar no céu, assim deduziu com certa facilidade.
Acorda com a cara marcada de asfalto, estava na rua, sente um gosto de planta, havia uma flor branca na sua boca, com o caule firme e frágil, lutando para permanecer com a raiz entre concretos. Pensou, muito que rapidamente, em cuspir e se livrar daquela situação, se lembrou que era uma flor, não era uma pedra, resolveu pôr para fora com a língua, delicadamente, para não machucar a simples elegância. Ouviu conscientemente o roçar da língua nos lábios secos e na flor macia, seca. sentiu que iria ficar surda com tanto barulho, mexeu os braços em posição de flexão e se livrou da dor de ter o poder de matar tão íntegra espécie. Seu pano de cobrir o corpo estava com os mesmos borrões vermelhos que havia notado no local onde chorara, suspeitou que estava reencarnando, suspirou. Cuidadosamente percorreu com as mãos, sujas de terra, boa parte de seu corpo, agora acinzentado, limpou-o como pôde, não levantou a cabeça, não abaixou a cabeça, andou pensando nos seus pensamentos.
Decidiu uma coisa: não iria se casar. Conhecia o bastante a si mesma para saber no que daria um casamento, tal pensamento a tranqüilizou, mais suspiros do batom borrado, não sabia o que era relógio, a felizarda.
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Gostei da leitura. Há uma consistência interna, uma boa narrativa, mas não deixa de ser um tanto hermértico..
ResponderExcluirtambém não vou me casar.
ResponderExcluirnão esse ano.
acordei com a cara marcada de asfalto e lembrei da felizarda.
ResponderExcluireu também sou toda média.
ResponderExcluirhoje desfilei palavreados sem sentido.
ResponderExcluirbam!
ResponderExcluirbateu aqui no fundo.
acordei: pintei meu rosto e beijei o espelho e - adivinha?- boca vermelha nele.
ResponderExcluirsabe o que isso me lembra? macabéa.
ResponderExcluira Lua é meu único referencial.
ResponderExcluirvocê merece um beijo vermelho-rubro-escarlate.
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