A cabeça voava durante o seminário, era um congresso chato e qualquer pensamento jurídico profanado era sentido como mais uma facada. Todas as outras pessoas, a priori, pareciam compenetradas, inclusive ela parecia compenetrada, doce superficialidade. Resolveu, sem se dar conta, não sentir mais dor, já era concursada e não estava ali por conhecimento, pura formalidade. Com o passar do tempo passou a observar os demais ouvintes. O rapaz que estava diagonalmente à sua frente-direita tateava um anel dourado que parecia uma aliança, ora na mão direita, ora na mão esquerda, minutos depois suspirou e colocou no bolso do paletó, fixando por fim os olhos no palestrante da noite. Uma moça negra, loira, que estava à sua esquerda passava batom a cada cinco minutos, mal sabia ela que sua boca estava ficando maior que suas ancas, riu.
A moça começava a ficar com dor de cabeça, então uma gota de suor começou a se formar na sua testa, o ar condicionado fora desligado, a gota de suor começou a deslizar e quando se encontrou de frente com a dor de cabeça começou a rasgar sua face, conseguiu imaginar uma cicatriz. Respirou fundo, criou coragem, levantou-se e foi ao banheiro. Observou no relógio que já era uma hora, se sentiu ainda mais cansada, a palestra havia começado às vinte e duas horas. Lavou o rosto, tirou parte da maquiagem, e na saída se esbarrou no rapaz do anel, se desculpou e o beijou. Ela sabia que teria beijado qualquer outro rapaz, estava cansada demais, mas mesmo assim achou que o beijou para afrontar o anel que julgara ser uma aliança, sua mente mesmo exausta lhe pregava peças, fruto de uma infância cristã (católica). Durante o beijo pensou em duas únicas coisas: a aliança e o banheiro vazio. Não havia sentido o fim do beijo quando ouviu em sussuros "vou casar essa semana". Ela não ouviu, ou fingiu não ouvir, deu mais um beijo, o olhou nos olhos, e mais um beijo. Sua mente palpitava em dor, resolveu ir embora, e foi. Chegou em casa tarde, ninguém a esperava, foi para a banheira e viu o dia amanhecer preguiçoso pela sua janela ao som de Melody Gardot.
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deep within the corners of my mind, i keep a memory of your face...
ResponderExcluirbom, bam! ;)
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