quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

relato de um desconhecido

Caráter pouco e pulso fraco, ele nunca foi conhecido pelas pessoas. As línguas nunca se cansavam em seu nome. De fato nome não tinha. Como um clássico bicho do mato, era vulgarmente chamado de "Coisa", denominação essa apropriadam (me cabe comentar). Como todo ser sem nome era também quieto, mal saia de casa, se evadia por dentro de si mesmo, conseguindo por vezes uma amizade para conversar sobre coisa nenhuma.

Nunca soube o que queria, na verdade nem sabia o que era querer, não sabia, coitado, que o homem tem o "querer". Comia por fome, vivia de instinto, cheirando cada pedaço de pão antes de incorporá-lo a si. Por acaso, certo dia sem definições especiais, foi mandado para a Cidade Grande e nela ficou pequeno, amiudou-se. Mal se via o vistoso cabelo vermelho-fogo queimando ao meio-dia.

Cresceu. Virou Gente e ficou mais Bicho, Coisa. Resolveu então fazer com os coisas e bichos o que sempre fora feito com ele: pisava firme. Fingia que era feliz como os pássaros (pássaros esses que também fingem felicidade em troca de milho), era o clássico vítima-algoz. O sofrimento só era apreciado quando estava só.

O seu novo sorriso que sublinhava seu novo nome era recém comprado, tinha o esqueleto remodelado, agora esguio, andava sempre de terno: cabeça erguida e olhos pálidos, do jeito que as pessoas que o ofendiam andavam, exatamente da mesma maneira.
Quanto mais gente se tornava, mais bicho, mais coisa. Sendo, por fim, suas últimas (infelizes) palavras:

_"No mundo não se pode sonhar, é muita utopia, muito gasto de tempo em vão. No mundo se pisa em pedra, em vidro, nunca andei em plumas, ninguém anda. Não há lugar para os bons, por isso não sou bom. Se o mundo é selva sou selvagem. Sou sim um bom aprendiz."

E morreu, assim, o bicho de palavras feias.

4 comentários:

  1. É engraçado como o poder sobre a mente.
    Enquanto somos desconhecidos, humilhados e sem voz, somos incapazes de seque pensar em fazer o mesmo com alguem.
    Mas quando ganhamos poder e voz,nem pensamos pra humilhar alguem. Afinal, ja nos fizeram sofrer, agora é a nossa vez.
    É mais ou menos assim que funciona. Mas seria ótimo se essas pessoas que ganham Poder, ajudassem as pessoas que são humilhadas como eles foram em outro momento.
    Seria muito bom se PODER trouxece gentileza consigo.Seria...

    Grande beijo

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  2. Luiza F. Nunes, acredito que o poder só não vem com gentileza quando a pessoa que passa a possuí-lo é uma pessoa fraca. Entretanto, o que seria uma pessoa fraca? Longo papo...
    um beijo.

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  3. Rodrigo eu achei lindo seu texto *OO*! Perfeitamente tocante e sensivel... A cada linha uma surpresa e um sentimento intrigante! Simplismenta amei, assim como todos teus outros textos!

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  4. obrigado ana, é sempre bom ler seus comentários aqui ^^

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